Criar um Site Grátis Fantástico
Translate this Page

Rating: 2.7/5 (652 votos)




ONLINE
6




Partilhe esta Página



 

 

 

  contadores de visitas 

 

Flag Counter

site

Subsidio (1) Big Bang criacionismo universo eterno
Subsidio (1) Big Bang criacionismo universo eterno

O Big Bang, o Universo Eterno e o

Criacionismo   Parte 1 /SUBSIDIO GENESIS N.1

MAURICIO BERWALD PROFESSOR ESCRITOR 

INTRODUÇÃO

O que a Teologia pode aprender da Ciência

FONTE CPAD NEWS

Há pouco mais de um ano postei meu último texto. Os que me acompanham sabem que tive um problema de saúde e que também estive envolvido em dois grandes projetos literários (O Sermão do Monte — livro e revista — e Pentecostalismo e Pós-Modernidade). Hoje, lendo a coluna Horizontes do cientista brasileiro Marcelo Gleiser, senti-me estimulado a voltar a postar. Gleiser parou de publicar sua coluna em 2014 e reiniciou uma nova temporada neste final de semana na Folha. Como não poderia deixar de ser, ele voltou em grande estilo e está abordando um assunto que tem íntima relação com as sete últimas postagens desta coluna. Não obstante, retorno com um assunto diferente que está na ordem do dia em nosso meio pentecostal: A relação da espiritualidade com a teologia, ou seja, de um lado a “fé” e, do outro, a “razão”. Questão importante, pois o fanatismo e o formalismo são polos perigosos. A despeito de o pentecostalismo estar vivendo este estágio, a teologia enquanto “ciência da fé” ainda não conseguiu decidir-se inteiramente em relação à ciência e, muito menos, ela mesma, enquanto “ciência”. A discussão se arrasta há séculos e ultimamente tem se intensificado em solo brasileiro, pois a teologia é curso superior e o local de maior concentração de seus “profissionais” é a igreja. Nisto reside o problema, pois de um lado existe um grupo que acredita ser sua obrigação questionar o depósito da fé visando adequar sua linguagem; de outro, há aqueles que passam por cursos que praticamente vendem o diploma e o futuro bacharel em teologia não obtém mais conhecimento que o aluno assíduo da Escola Dominical.

 

Assim, a discussão é legítima posto que, conforme afirma Hans Küng, “Só uma teologia que se move no horizonte atual de experiência, uma teologia rigorosamente científica e aberta ao mundo e ao presente, pode justificar seu lugar na universidade ao lado de outras ciências” (Teologia a caminho, p.232). Tal deve ser dessa forma, pois “é bem verdade”, diz Bernard Lonergan, “que a teologia não é nem fonte de revelação divina, nem um acréscimo às Escrituras inspiradas, nem uma autoridade que promulga doutrinas eclesiásticas” (Método em Teologia, p.367). Entretanto, diz o mesmo autor, “é verdade que o teólogo cristão deve ser um ser humano autêntico, inigualável em sua aceitação da revelação, das Escrituras e da doutrina de sua Igreja” (Ibid., pp.367-68). A questão, neste aspecto, parece dizer respeito mais ao lugar de cada um e ao respectivo papel que cabe ao teólogo acadêmico e ao teólogo de igreja. O que fazer, no entanto, quando ambos são a mesma pessoa? Basta lembrar que primeiro é preciso libertar-se da ideia de que “o teólogo é apenas um papagaio que nada tem a fazer senão repetir o que já foi dito” (Ibid., p.368). Com isto em mente, tanto o teólogo de academia quanto o de igreja tem a consciência de que há uma tarefa a cumprir. De mais a mais, se se quer reconhecimento universitário, é preciso entender a necessidade de uma relativa autonomia da “ciência da fé”.

 

A esse respeito, Lonergan diz que “pode-se julgar arriscado para a autoridade dos superiores eclesiásticos reconhecer que os teólogos podem dar uma contribuição própria, que eles são autônomos, que têm à sua disposição um critério estritamente teológico e que lhes cabe uma responsabilidade que será cumprida de maneira mais eficaz pela adoção de um método e pela tentativa gradual de aprimorá-lo” (Ibid., p.369). Todavia, completa o mesmo autor, “a autoridade dos superiores eclesiásticos nada tem a perder com o que foi proposto, mas muito a ganhar”. E como? — alguém pode perguntar. “Nada se perde quando é reconhecido o fato histórico, tão óbvio, de que a teologia tem algo a oferecer”, e completa dizendo que “Muito se ganha com o reconhecimento da autonomia e com a indicação de que essa autonomia acarreta responsabilidades”. Sim, o patrulhamento cerrado tira a responsabilidade. Por isso, finalmente, diz Lonergan, “as responsabilidades conduzem ao método, o qual, se eficaz, torna supérfluo todo trabalho de policiamento. Os superiores eclesiásticos têm o dever de proteger a religião sobre a qual refletem os teólogos, mas é a estes últimos que cabe transformar a doutrina teológica numa questão consensual, a exemplo do que se dá em qualquer outra disciplina acadêmica consagrada” (Ibidem.).

 

Por último, explica Lonergan, “uma distinção entre a teologia dogmática e a teologia doutrinária pode servir para colocar no centro das atenções os pontos que temos incessantemente afirmado” (Ibid., pp.369-70). Explicando uma e outra, ele diz que a “teologia dogmática é classicista”. Isto significa que, “Acerca de cada problema, ela costuma dar como certa a existência de apenas uma proposição verdadeira. Cabe-lhe determinar quais proposições únicas condizem com a verdade. A teologia doutrinária, por sua vez, tem mentalidade histórica. Ela sabe que o significado de uma proposição só é determinado em um contexto específico. Ela sabe que os contextos variam de acordo com os vários tipos de senso comum, com a evolução das culturas, com as diferenciações da consciência humana e com a presença ou ausência de conversão intelectual, moral e religiosa. Como consequência, diferencia a apreensão religiosa da apreensão teológica de determinada doutrina. A apreensão religiosa se dá no contexto do senso comum do indivíduo, no contexto de sua cultura, no contexto de sua diferenciação ou indiferenciação de consciência, no contexto de seus próprios e incessantes esforços para alcançar a conversão intelectual, moral e religiosa. A apreensão religiosa das doutrinas, por sua vez, é histórica e dialética. É histórica, pois apreende os vários contextos diferentes em que, de diversas maneiras, a mesma doutrina foi expressa. É dialética, pois percebe a diferença entre as posições e as contraposições, buscando desenvolver as primeiras e reverter estas últimas” (Ibid., p.370).

 

O que se conclui, é que há lugar para ambos os teólogos, sejam os acadêmicos sejam os de igreja. Precisa-se da teologia dogmática e também da doutrinária. Não apenas isso, a teologia precisa aprender com a ciência. Sobretudo, com a ciência que, após a descoberta das teorias da relatividade e dos quanta, descobriu-se menos absoluta e mais aberta ao fato de que sua proposta é apenas mais uma narrativa e não algo irretocável. À pergunta: “Quais são, portanto, as influências filosóficas da teoria da relatividade?”, o físico Richard Feynman, responde: “Se nos limitarmos às influências no sentido de que tipo de ideias e sugestões novas são oferecidas aos físicos pelo princípio da relatividade,  poderíamos descrever algumas delas da seguinte maneira. A primeira descoberta é, essencialmente, que mesmo aquelas ideias em que se acreditou por um longo período e que foram verificadas com grande precisão podem estar erradas. Foi uma descoberta chocante, é claro, que as leis de Newton estão erradas, após todos os anos em que pareciam exatas. Está claro que os experimentos não estavam errados, mas foram realizados apenas sobre uma faixa limitada de velocidades, tão pequena que os efeitos relativísticos não teriam sido evidentes. Mesmo assim, temos agora um ponto de vista bem mais humilde sobre as nossas leis físicas — tudo pode estar errado!” (Física em 12 lições fáceis e não tão fáceis, p.232). Será que a teologia terá humildade para aprender com a ciência? Será que a teologia pode ser menos pretensiosa a respeito de seus arrazoados e desconfiar de suas próprias pressuposições e conclusões? Isso em se tratando não apenas da teologia de igreja, mas, sobretudo, a acadêmica. Tomara que sim, pois desse exercício dependerá sua respeitabilidade e ressonância.

 

 

 

 

 

No último dia 17 de março, a comunidade científica foi “sacudida” por uma descoberta que teria “comprovado” uma vertente, ou “fase”, da teoria do Big Bang, a chamada hipótese inflacionária. O achado consistia de “ondas gravitacionais” que, na expressão de alguns cientistas, são classificadas como “marcas” inequívocas de que o Universo foi mesmo gerado há 13,72 bilhões de anos. Apesar da excitação que esse tipo de descoberta provoca, o físico brasileiro Marcelo Gleiser, em sua coluna na Folha On-Line, afirma que, assim “Como toda nova descoberta científica, esta também precisa passar pelo escrutínio da comunidade e ser confirmada por outros experimentos” (Ecos da Criação). Infelizmente, pouco mais de três meses depois, parece que tudo não passou de alarme falso e houve uma precipitação em divulgar o “achado”.* É o que informa o mesmo cientista em sua coluna no dia de hoje (A Sedução da fama). A que se respeitar a naturalidade da euforia inicial, principalmente se se considerar que os primeiros sinais desse tipo foram detectados, involuntariamente, há 50 anos, pelos radioastrônomos, Arno Penzias e Robert Wilson que, segundo Stephen Hawking, eram “dois físicos americanos dos Bell Telephone Laboratories, em Nova Jersey” que “estavam testando um ultra-sensível detetor de microondas (microondas são como ondas de luz, porém, com frequência da ordem de apenas dez bilhões de ondas por segundo). Penzias e Wilson ficaram preocupados quando descobriram que seu detetor estava registrando mais ruído do que deveria. O ruído não parecia vir de qualquer  direção particular. Primeiro descobriram dejetos de aves no aparelho e pesquisaram outros possíveis defeitos, mas logo desistiram. Sabiam que qualquer ruído interior da atmosfera seria mais forte se o detetor não estivesse apontado diretamente, do que quando estivesse, porque os raios de luz atravessam muito mais atmosfera quando recebidos próximo do horizonte, do que quando recebidos diretamente do além. O ruído extra era o mesmo em qualquer direção que o detetor apontasse; portanto, deveria vir de fora da atmosfera. Era também o mesmo de dia ou à noite, e durante todo o ano, ainda que a Terra estivesse em rotação sobre seu eixo e percorrendo sua órbita em torno do Sol. Isto demonstrava que a radiação deveria vir de além do sistema solar e, mais ainda, de além da galáxia, ou variaria quando do movimento da Terra apontasse o detetor para diferentes direções” (Uma Breve História do Tempo, pp.69-70).

 

 

 

Por causa desse “achado”, Penzias e Wilson, ganharam em 1978, o Prêmio Nobel de Física. A demora se deu pelo fato de que a associação dos sinais detectados com a teoria do Big Bang só “foram interpretados mais tarde como resquícios de uma fase extremamente quente do Universo”, diz o físico brasileiro Mário Novello em sua obra Do Big Bang ao Universo Eterno (p.21). O que poucos sabem é que, como relata o jornalista Francisco Neves, em um dos textos de apoio à obra Poeira das Estrelas, de Marcelo Gleiser, apesar de a descoberta acidental dos dois físicos fornecer sustentação experimental à teoria, “Georg Gamow, Ralph Alpher e Robert Hermann, que em 1948 haviam apresentado o modelo teórico do Big Bang — no qual a existência de uma radiação cósmica de fundo era postulada —, sequer foram mencionados pelos laureados pelo trabalho” (p.155). É constrangedor que isso tenha ocorrido no meio acadêmico, pois os dois radioastrônomos não descobriram nada, eles apenas tiveram a “sorte” de constatar — acidentalmente, observe-se —, o que Gamow, Alpher e Hermann postularam três décadas antes. Infelizmente, conhecimento e titulação não significam necessariamente que a pessoa tenha caráter e civilidade. Patifarias à parte, o fato é que o achado de março é mais uma confirmação de um tipo de postulação teórica que teve início há pouco mais de noventa anos. Apesar de toda a hostilidade existente entre religiosos e cientistas, é “quase irônico”, diz Gleiser, “que o primeiro a propor um modelo científico da origem do universo fosse ao mesmo tempo padre e cosmólogo” (Ibid., p.141). Foi o que aconteceu em 1930 quando o padre belga, Georges Lemaître, que além de teólogo, era físico, propôs o chamado “Átomo Primordial”. A despeito dessa informação de Marcelo Gleiser, o matemático canadense John Byl, afirma que “Edgar Allan Poe, que se tornou mais famoso por seus contos, foi o primeiro a sugerir que o universo teve origem numa gigantesca explosão” (Deus e Cosmos, p.70). Byl informa que no “pequeno livro Eureka, publicado em 1848, Poe descreve como o universo foi criado por Deus, a partir do nada, como uma partícula primordial explosiva”. A explicação da hipótese de Poe, é que “Inicialmente a matéria explodiu movimentando-se em todas as direções. Na medida em que o universo se expandia, a gravidade gradualmente induziu os átomos a se condensarem, formando assim as estrelas e planetas. Eventualmente, em algum tempo no futuro, a ação da gravidade fará que pare a expansão, e então começará a contração. O cosmos finalmente retornará ao seu estado inicial, um pequeno ponto, tempo na qual ele desaparecerá” (Ibid.).

 

 

 

Mas o destaque ao nome de Lemaître não se dá por ter sido, ou não, o primeiro a propor uma teoria do início do universo. Segundo o físico Lawrence Krauss, a proposta do padre belga foi fundamental para a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, daí a sua importância. Isso porque, apesar de ainda no início de 1916 o famoso físico ter completado a elaboração de uma nova teoria da gravitação, e não apenas isso, pois era igualmente “uma nova teoria do espaço e do tempo também”, pois, “foi a primeira teoria científica que explicou não apenas como os objetos se movem através do espaço, mas também como o próprio Universo pode se desenvolver”, como Krauss explica, havia “um percalço” na teoria. “Quando Einstein começou a aplicar sua teoria para descrever o Universo como um todo, ficou claro que ela não descrevia o Universo em que vivíamos” (Um universo que veio do nada, p.18). Isso porque, como diz Krauss, para a “comunidade científica de 1917, o Universo era estático e contínuo, e consistia em uma única galáxia, a Via Láctea, rodeada por um espaço vasto, infinito, escuro e vazio. Isso descreve o que você veria ao olhar para o céu, a olho nu ou com um pequeno telescópio, e na época havia poucos motivos para suspeitar do contrário” (Ibid., pp.18-19). Em outras palavras, “a teoria da Relatividade Geral de Einstein não pare[cia] consistente com a imagem [estática] que se tinha do Universo”, levando-o a inserir uma modificação em suas equações, o termo cosmológico ou, como diz Gleiser, “pressão negativa” (O fim da Terra e do Céu, p.284), que ele posteriormente classificou como “o maior erro de sua vida”. Krauss afirma que por “ser apenas o acréscimo de uma constante às equações, agora é convencional chamar esse termo de constante cosmológica” (Ibid., p.71). Em termos mais claros, apesar de Einstein ter intuído, mas não apenas isso, pois segundo Krauss, sua teoria também “teve a ver com a observação” (p.19), pelo fato de esta não coadunar com o que se pensava acerca do universo naquele contexto histórico, sua teoria teve de ser ajustada — erradamente —, para que pudesse ser ao menos postulada.

 

 

 

Surpreendentemente, informa-nos Krauss, em “1927, antes de obter o segundo doutorado, Lemaître resolveu as equações de Einstein da teoria da Relatividade Geral e demonstrou que ela prevê um Universo não imutável e que, de fato, sugere que o Universo em que vivemos está em expansão. A ideia parecia tão chocante que o próprio Einstein a contestou com a declaração: ‘Sua matemática está correta, mas sua física é abominável’” (Ibid., pp.21-22). Ignorando tal oposição, “Lemaître seguiu adiante e, em 1930, propôs que o Universo em expansão na verdade teve início como um ponto infinitesimal, que ele chamou de ‘Átomo Primordial’, e que esse início representava, talvez numa alusão ao Gênesis, um ‘Dia sem Ontem’” (Ibid., p.22). Apesar disso, segundo Gleiser, “Lemaître foi o primeiro a admitir que o seu modelo era mais uma visão mítico-científica que uma descrição matemática da origem do universo. Algumas de suas ideias, porém, foram incrivelmente proféticas. Por exemplo, ele sugeriu que as desintegrações radiativas do núcleo primordial deveriam deixar ‘fósseis’, formas de radiação espalhadas pelo cosmo. Essa radiação, conhecida como radiação cósmica de fundo, foi encontrada em 1965!” (Poeira das Estrelas, p.143). Justamente os sinais que os radioastrônomos detectaram de forma acidental. Antes ainda de prosseguir, é preciso observar que a proposição de Lemaître coincide com a descoberta do americano Edwin Hubble que, no final da década de 20, “demonstrou que as galáxias se afastam umas das outras a velocidades que aumentam proporcionalmente à sua distância” (Ibid., p.140). Tais exemplos ilustram, concretamente, a tese defendida por Thomas Kuhn a respeito do papel de uma teoria que acaba tornando-se um paradigma, isto é, uma “revolução científica” (A estrutura das revoluções científicas, p.122). Houve muita resistência até que a física einsteiniana substituísse a newtoniana**, pois a “emergência de novas teorias é geralmente precedida por um período de insegurança profissional, pronunciada, pois exige a destruição em larga escala de paradigmas e grandes alterações nos problemas e técnicas da ciência normal” (Ibid., p.95). Na verdade, a insegurança da ciência existente no momento em dar respostas, aponta para um “fracasso das regras existentes” que, por sua vez, “é o prelúdio para uma busca de novas regras” (Ibid.).

 

 

 

Evidentemente que não há possibilidade, e também necessidade, de neste espaço se recontar “a história do universo, geralmente aceita, de acordo com o que é conhecido como ‘modelo da grande explosão térmica’” (Uma Breve História do Tempo, p.164). Mesmo porque, para isso, teríamos de passar por lances históricos que envolvem nomes como os do físico austríaco Christian Doppler, bem como o de Henrietta Swan Leavitt, Vesto Slipher e Milton Humason que, em 1842, 1908, 1912 e 1929, respectivamente, fizeram descobertas que proporcionaram as condições para que o conhecimento a respeito do referido modelo viesse à tona, ou “confirmaram”, retroativamente, aspectos da futura hipótese (Um universo que veio do nada, pp.18-52). Na realidade, todas as observações dessas personagens, contrariavam a ideia que se tinha na época, ou seja, que o universo era “essencialmente constante no tempo” (O universo numa casca de noz, p.71) e, por conseguinte, eterno. Um exemplo emblemático de resistência a essas “inovações” data de 1948 quando, três cientistas, Fred Hoyle, Herman Bondi e Thomas Gold, no lugar de “supor que a expansão cósmica leva a uma origem num momento do passado, sugeriram que o universo sempre foi o mesmo: segundo eles, o cosmo não só é essencialmente o mesmo em todo o espaço, como havia sugerido Einstein com seu princípio cosmológico***, mas também no tempo” (Poeira das Estrelas, p.144). Tal ideia ficou conhecida “como ‘princípio cosmológico perfeito’, segundo o qual o cosmo é e sempre foi essencialmente o mesmo no tempo e no espaço”. Gleiser informa que com essa alternativa, em “termos filosóficos, voltamos à noção pré-socrática do ser, imutável e fundamental” (Ibid.). Evidentemente que o trio possuía “argumentos científicos” para apresentar tal proposta. Diante de objeções como a descoberta de que as galáxias estão em recessão, um desses argumentos, “aparentemente uma heresia científica”, diz Gleiser era que “para acomodar a expansão cósmica, basta supor que a energia total do universo não seja conservada” (Ibid.). Contudo, conforme informa o físico brasileiro, “em meados da década de 1960 ficou claro que esse modelo, conhecido como ‘modelo padrão’, está incorreto: não podia explicar de forma simples e convincente a existência da radiação cósmica de fundo” (Ibid., p.145).

 

 

 

Para se ter uma ideia da força do “modelo padrão”, em 1955, nada menos que Stephen Hawking, à época um pré-adolescente de apenas 12 anos cujo apelido no colégio era “Einstein”, revela, em sua autobiografia, que “tinha seis ou sete amigos próximos” com os quais travava “longas conversas e discussões a respeito de tudo, desde modelos controlados por rádio até religião, parapsicologia e física”. Ele diz, porém, que com o seu grupo, “Uma das coisas sobre as quais [falava] era a origem do universo e se foi necessário um Deus para criá-lo e levá-lo adiante. Eu ouvira falar que a luz das galáxias distantes tendia para a extremidade vermelha do espectro e que isso devia indicar que o universo estava se expandindo. (A tendência para o azul teria significado que estava se contraindo.) Mas eu tinha certeza, de que deveria haver alguma razão para o desvio para o vermelho. Um universo essencialmente imutável e eterno parecia muito mais natural. Talvez a luz ficasse apenas cansada, e mais vermelha, em seu caminho até nós, especulei” (Minha breve história, p.32). Contudo, Hawking informa que dois anos depois de iniciar seu ph.D., percebeu que estava errado, ou seja, diante das evidências, ficou claro que o “modelo da grande explosão térmica”, proposto no final da década de 1940, era mais exequível por concordar com as observações. Marcelo Gleiser diz que tal “modelo, que o próprio Hoyle zombeteiramente chamou de ‘modelo do Big Bang’, pressupõe exatamente o oposto do modelo padrão: o cosmo teve, sim, uma origem, há bilhões de anos” (Poeira das Estrelas, p.145). O fato é que, conforme informa-nos Hawking, a “grande questão em cosmologia no início da década de 1960 era se o universo tinha um princípio”. Muitos cientistas instintivamente se opunham a essa ideia e, como consequência, à teoria do Big Bang, porque sentiam que estabelecer um ponto inicial da criação levaria a ciência a um impasse. Seria necessário apelar para a religião e a mão de Deus para determinar como o universo tinha começado” (Minha breve história, p.69). Como já foi dito, o embate se concentrou em dois modelos, um na teoria do estado estacionário e o outro, na chamada hipótese inflacionária. Uma vez que o primeiro vinha, diante das observações, cada vez mais perdendo a sua força, diz Mário Novello, citando uma fala de um debate informal no apêndice I de sua obra, na qual o debatedor afirma que “o modelo inflacionário apresentou uma proposta simples e que possui consequências passíveis de observação — e, como tal, está dentro do esquema convencional da ciência”. O mesmo debatedor reconhece que “a história da física, como qualquer tipo de história, é feita por aqueles que detêm o poder”. Assim, apesar de se atribuir “a Alan Guth a ideia original” do modelo inflacionário, é possível pensar que “vários outros cientistas apresentaram antes dele trabalhos semelhantes, como Alexey Starobinsky, Katsuito Sato e outros” (Do Big Bang ao Universo Eterno, p.114).

 

 

 

Como a história da cosmologia pende para o nome de Alan Guth na discussão da formação da teoria do Big Bang, vale a pena deter-se um pouco mais em sua proposta. Antes, porém, é importante observar que, a despeito do crescente interesse em torno da proposta do Big Bang (pois a “hipótese de um universo que começou extremamente quente e foi se resfriando à medida em que se expandia está de acordo com todas as evidências observáveis que temos atualmente”), é preciso reconhecer que, a despeito disso, mesmo essa hipótese “deixa inúmeras perguntas sem resposta” (Uma Breve História do Tempo, p.171). “Estranhamente”, as quatro questões “sem respostas” estão apenas na edição antiga da excelente obra de Hawking. Na nova edição do livro, escrita com Leonard Mlodinow e lançada em 2005, além de o título ter sido ligeiramente modificado — Uma nova história do tempo —, tais indagações simplesmente não aparecem. O detalhe curioso é que elas ainda não foram respondidas. É preciso, antes de prosseguir, ressaltar duas outras questões: A primeira é que, conforme explica Mário Novello, “o cenário descoberto pelo matemático [e físico] russo Alexander Friedmann, que descreve um Universo dinâmico, em expansão, como um processo evolutivo, permitiu vislumbrar um território novo” (Do Big Bang ao Universo Eterno, p.23). Como já foi dito, a despeito de não haver espaço aqui para se recontar a história do Big Bang, torna-se interessante destacar alguns nomes e aqui parece prudente falar desse russo, Alexander Alexandrovich Friedmann (1888-1925), que teve importância capital na formação dessa cosmologia. Enquanto Lemaître desenvolveu a posição de Einstein mostrando que, contrariamente ao que defendia o cientista alemão de origem judaica, o modelo cosmológico apresentado por ele implicava em um universo dinâmico, Friedmann, diz Novello, no final dos anos 20, “submeteu à publicação na revista alemã Zeitschrift fur Physisk uma análise da questão cosmológica distinta daquela contida na solução original proposta pelo fundador da cosmologia moderna” (Ibid., p.35). De acordo com Novello, a “principal novidade consistia em tratar a questão como um processo dinâmico, no qual contrariamente ao modelo de Einstein, exibia-se uma evolução do Universo, uma dependência temporal de suas propriedades mais fundamentais e, em particular, de sua geometria. No entanto, o apriorismo de um Universo estático — a famosa hipótese introduzida por Einstein em seu primeiro modelo cosmológico — mostrou-se tão fortemente reacionário que conseguiu evitar, por mais de um ano, a publicação do trabalho de Friedmann” (Ibid.). Prescindindo de muita explicação pode-se citar que, de acordo com a cosmologia de Friedmann, há três possíveis modelos e destinos do Universo: “um universo supercrítico [com] geometria fechada [que] acaba entrando em colapso [‘Big Crunch’]; um universo crítico [com] geometria plana [que] continuará sua expansão indefinidamente; [e] um universo subcrítico [com] geometria aberta [que] também continuará sua expansão indefinidamente” (O fim da Terra e do Céu, p.290). “Fechando” o círculo histórico, basta dizer que Georg Gamow, trabalhou com Friedmann até sua morte em 1925.

 

 

 

A segunda questão é que existem vários modelos de Big Bang ou, como chama Marcelo Gleiser, “universos de escrivaninhas” que “foram descobertos nos anos de 1920 e 1930, baseados em soluções das equações de Einstein com diferentes distribuições de matéria” (Ibid., p.286). Apesar de o próprio Gleiser dizer que Alan Guth, atualmente lotado no “Instituto de Tecnologia de Massachusetts, desenvolveu originalmente a teoria que prevê que a geometria do Universo deve ser plana, conhecida como ‘teoria do universo inflacionário’”, é preciso observar que, segundo o mesmo autor, “Ideias que se aproximavam da solução de Guth já existiam no final dos anos 1970, mas ninguém as havia aplicado dentro do contexto relevante e com a mesma elegância e clareza” (Ibid., p.332). Tal é possível pelo fato de que, como explica Mário Novello, a “geometria de Friedmann admite como fonte — via equações da relatividade geral — um fluido perfeito. Essa configuração de distribuição da matéria é caracterizada, [...] pela densidade de energia (representada pela letra E) e pela pressão (representada pela letra P). Entre elas existe em geral uma equação de estado que relaciona as duas quantidades, a saber: P = s E” (Do Big Bang ao Universo Eterno, p.129). “Assim”, finaliza o mesmo autor, “para cada valor possível da constante s, temos um dado tipo de fluido perfeito. Como, na maior parte dos fluidos conhecidos, s assume valores entre 0 e 1, existe uma grande quantidade de configurações materiais. Cada uma dessas configurações corresponde a uma dada geometria possuindo um correspondente big bang. Claro que somente um desses valores teria sido efetivamente realizado na natureza. Como não sabemos com precisão qual foi ele, todas as possibilidades devem ser entendidas como geometrias possíveis, isto é, possíveis universos, cada qual gerando seu correspondente big bang” (Ibid.). O ponto a destacar é que o “artigo de Guth apareceu em 1981 e foi rapidamente seguido por variações propostas por Andrei Linde (hoje na Universidade de Stanford) e, independentemente, por Andreas Albrecht (hoje na Universidade da Califórnia, em Davis) e Paul Steinhardt (hoje na Universidade de Princeton)” (O fim da Terra e do Céu, pp.332-33). Assim, desde quando o trabalho pioneiro de Guth veio a público, informa Gleiser, “dezenas de cenários alternativos foram propostos — alguns por este autor — pressupondo receitas diferentes para a sopa primordial de partículas, mas obtendo basicamente os mesmos resultados, após um número maior ou menor de aproximações, mais ou menos elegantes”. O que está se afirmando, é que o modelo inflacionário, ou seja, a “inflação em cosmologia é ainda uma ideia em busca de uma teoria”, pois “boa parte do debate atual entre cosmólogos é se um ou outro modelo é melhor ou mais ‘natural’” (Ibid., p.333). Após explicar toda a problemática, Gleiser informa que “qualquer que seja a física pré-inflacionária (supercordas ou outra), ela está codificada no ínflaton**** e suas interações; o modelo do Big Bang é o que vem depois da inflação. Em outras palavras, a inflação reinventou o Big Bang. Não foi à toa que Alan Guth deu o subtítulo ‘The quest for a new theory of cosmic origins’ [A busca por uma nova teoria da origem do cosmo] a seu livro de divulgação científica sobre a cosmologia inflacionária” (Ibid., p.345).

 

 

 

A aceitabilidade da proposta de Guth se deu por sua capacidade de responder a um dois principais problemas do modelo cosmológico do Big Bang. Trata-se do problema do horizonte que, explica Gleiser, é uma das “limitações mais óbvias do modelo do Big Bang”, pois refere-se a, “paradoxalmente, sua incapacidade de explicar uma de suas propriedades mais relevantes, a incrível homogeneidade da temperatura da radiação cósmica de fundo”. Essa é um dos mistérios a ser explicados, pois, como se sabe, “qualquer que seja a direção em que uma antena sensível à radiação de micro-ondas aponte na abóbada celeste, essa antena medirá a mesma temperatura com uma precisão de uma parte em 100 mil. Tal homogeneidade da distribuição de fótons torna-se ainda mais impressionante quando tentamos entender como ela é possível” (Ibid., p.333). Prescindindo estritamente de tal explicação pela absoluta falta de espaço, vale ainda dizer que o “que torna misteriosa a questão da homogeneidade da temperatura da radiação cósmica de fundo é que, como vimos, a última vez que os fótons puderam interagir com as partículas de matéria para ajustar as suas temperaturas foi durante o desacoplamento, quando o Universo tinha a tenra idade de 300 mil anos. O problema é que, nessa época, o horizonte causal — a região dentro da qual a temperatura poderia ter sido homogeneizada — correspondia a uma área que hoje ocupa menos de um grau no céu (em torno de duas leias cheias). Nesse caso, como é que os fótons em regiões distantes do Universo ‘sabem’ que devem ter a mesma temperatura?” (Ibid., p.335). Gleiser diz que “Guth propôs uma solução brilhante”. Sua proposta, segundo Gleiser, foi a seguinte: “Suponha que durante os primeiros instantes de sua existência, em torno da época em que a Grande Unificação***** supostamente ocorreu (10-36 segundo), o Universo sofreu um dramático aumento de sua taxa de expansão, de modo a inflar uma região minúscula — menor do que o horizonte causal da época — até um tamanho gigantesco, grande o suficiente para incluir todo o Universo observável hoje [...]. Após um curtíssimo intervalo de tempo, a taxa de expansão cósmica retorna ao normal e o Universo, agora ‘inflado’, volta a evoluir de acordo com o modelo do Big Bang. (Lembre-se que, no modelo do Big Bang, a gravidade diminui gradualmente a taxa de expansão do Universo.) Devido a esse curto, mas extremamente rápido, período de expansão (para aqueles leitores mais matemáticos, a expansão da geometria durante esse período foi exponencial), a solução de Guth ficou conhecida como ‘universo inflacionário’” (Ibid., pp.335-36).

 

 

 

A não confirmação do achado do dia 17 de março traz à tona a possibilidade de se discutir outros modelos cosmológicos, entre eles, o que defende Mário Novello, um universo eterno, sem singularidade, ou seja, autogerado, sem início e sem fim. Isso apenas demonstra que o insaciável desejo humano pelo conhecimento das origens de tudo parece não descansar. Mesmo que uma teoria prove ser a descrição da realidade ou ainda que uma das centenas de narrativas sobre a criação pareça ser uma pista do surgimento de tudo, ainda assim não haverá a saciedade de tal busca. Fico a pensar como reagiriam religiosos que se apropriam das teorias para comprovar a Bíblia. Penso especificamente na proclamação, em 1951, do Big Bang, pelo papa Pio XII, como evidência do Gênesis. E imagino também a reação de pensadores cristãos como Charles Colson, por exemplo, que no combate ao evolucionismo afirma que a “teoria do big bang dá um sopro quase fatal na filosofia naturalista, pois o seu credo considera a realidade como uma sequência ininterrupta de causa e efeito que pode ser traçada indefinidamente” (E agora como viveremos?, p.85). Antes de tecer explicações acerca do princípio antrópico (registre-se apenas que existem duas versões dele: a forte e a fraca), Colson diz que os “naturalistas simplesmente não têm nenhuma forma de se opor ao desafio colocado pelo big bang sem enroscar-se em contorções lógicas impossíveis. Os fatos claramente indicam que o Universo não é eterno, e não pode originar-se a si mesmo. A implicação é que o Universo começou em um momento definido no tempo, em um lampejo de luz e energia. A ciência começou a soar misteriosa tal como o Gênesis 1: ‘E disse Deus: Haja luz’ (1.3)” (Ibid., p.86). O grande e grave problema para quem adota esse tipo de abordagem que, reconheço, tem até uma motivação boa, é que ele acaba refém da comprovação de tal perspectiva, assim como ateus que adotam a mesma visão com outras motivações. Esquecendo de que, como ensinou Lemaître, o “fato de o Big Bang ter acontecido ou não é uma questão científica, não teológica” (Um universo que veio do nada, p.22). Não obstante, no afã de comprovar sua tese, o próprio físico ateu, Lawrence Krauss, cai na armadilha de dizer que o Big Bang é um fato, pois “todas as evidências hoje confirmam de maneira contundente” (Ibid.). Ele, porém, tem o mérito de afirmar que, caso tenha ocorrido, o Big Bang “pode ser interpretado de diferentes maneiras, de acordo com predileções religiosas ou metafísicas” (Ibid.) Ele chega a dizer que é possível “ver o Big Bang como o próprio Criador ou, ao contrário, argumentar que a matemática da relatividade explica a evolução do Universo desde o seu início, sem a intervenção de qualquer divindade”.  E completa dizendo que uma “especulação metafísica como essa é independente da validação do Big Bang e irrelevante para a nossa compreensão” (Ibid., pp.22-23). Será? Tudo leva a suspeitar que não, pois como veremos no próximo texto, Stephen Hawking, Mário Novello e o próprio Lawrence Krauss, importam-se com a fundamental questão de como surgiu tudo.

 

 

 

 

* A vantagem de se escrever lentamente é não ter de produzir um texto e logo depois outro, às pressas, para desfazer o que foi afirmado anteriormente. Iniciei as leituras e pesquisas para produzir esse texto ainda em março, mas justamente hoje, sim, hoje, 22 de junho de 2014, o dia em que já estava pronto para ser postado, soube que tal achado não se confirmou. Quem não é familiarizado com as questões relacionadas à ciência, certamente se deliciou com a extensa reportagem da revista Veja, edição 2366, ano 47, número 13, de 26 de março de 2014, intitulada Mais Big do que Bang (pp.112-118). Certamente muitos professores de física (e apologistas cristãos) que não leem literatura especializada, divulgaram a descoberta, mas desconhecendo a informação de hoje, não desfarão o que disseram anteriormente.

** Muito embora, conforme citação de Planck, em meu texto Assuntos relevantes em discussões infrutíferas — Parte 4, a física de Einstein apenas modificava ligeiramente a de Newton e tinha como objetivo até mesmo clarear alguns aspectos do universo estático. Em outras palavras, a ideia não era contrariar a física newtoniana.

*** Acredito que no caso de Lemaître tenha ficado claro, entretanto, para que não haja dúvidas, é importante observar que “Einstein parece nunca ter levado a sério o big-bang”, ou seja, a despeito disso, “a teoria de Einstein implica que o tempo tem um começo, embora a ideia nunca lhe tivesse agradado” (O universo nunca casca de noz, pp.22-23).

**** “O campo que causa a expansão inflacionária do Universo” (O fim da Terra e do Céu, p.342). O mesmo autor explica que “Toda partícula na Natureza, seja ela uma partícula de matéria — como o elétron ou um quark —, ou uma partícula de força — como um fóton ou um glúon —, é associada a um campo” (Ibid., p.327).

***** A chamada Teoria de Grande Unificação (ou, abreviadamente, GUT), refere-se à unificação das forças nucleares forte e fraca, isto é, um dos passos na unificação total das quatro forças fundamentais na Natureza (a força gravitacional, a força eletromagnética, a força nuclear forte e a força nuclear fraca [registre-se que esta última ainda não foi “encontrada”]).

 

O Big Bang, o Universo Eterno e o Criacionismo Parte 2

 

No último texto, ao finalizar com a citação de Lawrence Krauss dizendo que a interpretação do evento Big Bang (se este tivera um início autogerado ou com o start de uma divindade) era irrelevante, pois tal especulação metafísica não é necessária à compreensão científica do evento, deixei uma dúvida no ar dizendo não acreditar que esta palavra expresse mesmo a verdade, pois tanto Krauss, como Stephen Hawking e Mário Novello, demonstram certa preocupação com o aspecto metafísico da explicação do universo. Todos os que me acompanham sabem que sempre falei do fato de que em todos esses anos de pesquisa acerca da relação entre ciência e religião ou fé e razão, os maiores problemas que enfrento não vem propriamente da ciência e sim da teologia que, pretendendo-se científica, insiste em pontos obsoletos que não aceitam revisão. O problema dos proponentes do Criacionismo como uma teoria, por exemplo, é que eles não querem que, à luz de novas descobertas, a teoria sofra modificações, pois, como é óbvio, sendo uma teoria “bíblica”, logo, “revelada por Deus”, não pode conter “erros” (coisa que é absolutamente normal em qualquer teoria). Por outro lado, não se pode negar que cientistas comportem-se exatamente dessa forma e não aceitem revisar suas propostas teóricas.

Já escrevi em outras ocasiões acerca da “fé dos cientistas” (Veja aqui e aqui), mas não pude deixar de admirar-me mais uma vez ao ler, no último domingo de outubro (26), a coluna do físico brasileiro Marcelo Gleiser que fala exatamente desse assunto, inclusive, com o mesmo título: “A fé dos cientistas”. Retomando aquilo que já foi dito diversas vezes, Gleiser fala sobre o fato de os cientistas acreditarem, a priori, em um universo ordenado de causa e efeito, pois de outra forma nenhuma pesquisa seria possível (Este ponto, inclusive, é exaustivamente utilizado por apologistas para provar a veracidade do criacionismo ou até mesmo a existência de Deus). Conhecida como “determinismo”, como disserta Gleiser, essa visão sofreu vários abalos com as descobertas da física quântica, pois em “mundo quântico, essa certeza tem que ser posta de lado, e precisamos adotar regras baseadas em probabilidades”. Apenas para constar, basta dizer, conforme Gleiser, que ninguém menos que “Einstein, Schrödinger, Planck e outros grandes nomes da ciência sofreram, recusando-se a aceitar isso”, pois para estes cientistas, “a natureza tinha que seguir regras simples, determinísticas, mesmo se não soubéssemos quais”. Para o físico brasileiro, professor do Dartmouth College, em Hanover (EUA), “Esse tipo de postura só pode ser chamado de fé”, pois significa justamente “acreditar numa natureza ordenada, racional, mesmo quando se manifesta de forma aleatória”. Gleiser lembra então a famosa, e incompreendida, frase de Einstein que, ao escrever a Max Born, disse que “‘Deus não joga dados’”, pois tanto o cientista alemão como “outros”, diz Gleiser, “buscaram teorias que explicassem as estranhas probabilidades quânticas como manifestações de uma ordem mais fundamental. E falharam”.

 

Mesmo admitindo a existência de “fé” na ciência, Marcelo Gleiser faz então uma ressalva, e diz que há “uma diferença essencial entre a fé religiosa e a fé científica: dogma”. E completa, afirmando que em “ciência, o dogma é insustentável, pois cedo ou tarde mesmo as ideias mais arraigadas — se erradas — sucumbem à evidência dos dados. Em ciência, a fé numa ideia errada tem de ser abandonada. Na religião, a evidência dos dados é elusiva ou mesmo irrelevante, o que faz com que a fé seja uma proposta sempre viável”. Aqui talvez seja interessante fazer alguns esclarecimentos acerca do fato de que, para a fé religiosa, a descoberta, ou a evidência, dos dados ser, ainda assim, algo, nas palavras de Gleiser, irrelevante ou elusivo. Isso, claro, da forma como atualmente entendendo o que é “fé”. Primeiramente, alinho-me com Roger Haight no reconhecimento de que, “em um mundo de radical pluralismo [...], parece impossível descobrir algum fundamento de alguma ordem na sociedade humana”, logo, é evidente que haja “ameaças à existência humana [e] um dinamismo humano por superá-las”. Assim, a “busca de salvação, portanto, inscreve-se na estrutura e na dinâmica mesmas da liberdade humana em ação” (Dinâmica da teologia, p.35). Uma vez que “nenhum objeto finito, nenhum conjunto de valores intramundanos, pode satisfazer o que é demandado pela lógica da ação humana, na medida em que esta só pode consistir em um ser infinito e absoluto”, conforme Haight é justamente “essa indisponibilidade que determina a fé como dimensão constitutiva do ser humano” (Ibid., p.36). Toda a humanidade, indistintamente, precisa de um fundamento para a busca da “salvação”, isto é, a busca pelo livramento de sua derrocada e extinção. O fato é que, “mesmo na ausência de um objeto que corresponda às exigências da ação os seres humanos ainda devem escolher”, pois não conseguem viver em um “vácuo”, sem em uma direção para a qual direcionar suas vidas e histórias.

 

Assim, nas palavras de Haigth, as “pessoas aceitam algum centro de gravidade que equilibra as ponderações dos diversos valores em sua vida”, e isso, apesar de não terem evidência alguma de que tal centro seja ou não verdadeiro (Isso se se considerar como capaz o ponto de vista que decide o que é ou não real). Na realidade, as pessoas adotam “um sistema de significação que estabelece certas verdades fundamentais”, ou seja, as “sociedades inculcam uma gama de objetos de fé que proveem uma unidade, uma ordem compreensiva e inteligibilidade à vida”. Tal centro de gravidade torna-se então em “objetos de fé”, pelo fato de que “a fé é compromisso vinculante com esses objetos, verdades e valores que conferem sentido à existência humana em seu nível mais fundamental”. Isso significa que, quando “os membros de qualquer sociedade ou cultura os internalizam em sua vida, esses valores basilares não podem ser reconhecidos como objetos de fé”, pois passam a “afigurar-se como verdades evidentes por si mesmas”. No entanto, a “consciência histórica”, diz Haigth, “informa-nos em que medida a fé permeia a vida humana”, pois, na verdade, o “simples pluralismo desses valores fundamentais indica tratar-se de objetos transcendentes de fé”. Tal “abordagem segundo um ponto de vista concreto, existencial e histórico mostra que todos os seres humanos vivem em consonância com alguma forma de fé”. Com base nessa constatação, Haigth, afirma que a “fé é um fenômeno humano comum, uma dimensão essencial da ação humana que constitui a existência humana em sua integralidade”. Em termos diretos, “todas as pessoas têm fé” (Ibidem). É evidente que existem objeções a esse pensamento, e podem ser apresentados contrapontos de estilo de vida baseados, por exemplo, em prazer, consumismo e outros aspectos que parecem prescindir de algum tipo de fé. Não obstante, “por trás desse comportamento aparentemente errático, na medida em que é absolutamente responsável, pode-se detectar, mediante análise redutiva, uma dedicação, um compromisso de fé, uma direção, um caminho em que se empenhou o coração” (Ibidem.). Nesse caso, isso apenas significa que o “objeto de fé pode situar-se bem abaixo em qualquer escala de valores” (Ibid., pp.36-37). Na verdade, o objeto de fé pode até mesmo “ocultar-se a uma avaliação reflexiva”, e pode ainda “incorporar-se à lógica implícita do comportamento de determinada pessoa ou povo”, mesmo assim, “algum objeto de fé acha-se sempre operativo na medida em que é constituído pelo somatório das decisões efetivas de um indivíduo” (Ibid., p.37).

 

 

 

Até aqui, a única coisa que se quis explicitar é que a fé é própria dos seres humanos e que, a existência e o próprio fato do “pluralismo dos objetos de fé revela que a fé é fé e não conhecimento passível de demonstração, e que é universal e inescapável” (Ibidem.). Tal perspectiva “antropológica da fé também liberta a fé em um objeto transcendente do peso de uma heteronomia que nega a liberdade humana”, pois a “questão da fé é a questão da salvação”. Isto é, essa abordagem “também indaga que objeto, que valor, que realidade suprema vale mais a dedicação e o compromisso da liberdade humana”, pois o “valor da liberdade humana pode ser mensurado pelo objeto de sua fé”. Por mais absurdo que seja, “o paradoxo da fé é que a magnitude do objeto do compromisso exalta a própria liberdade” e é nesse particular que se situa “a convicção cristã de que Deus estabeleceu a liberdade humana como capacidade de infinitude” (Ibidem.). Para além dessa discussão que, inclusive, pode parecer demasiadamente cansativa, o fato é que a “fé consiste em um ser atuado e em uma submissão a valores que transcendem a identidade”, em outros termos, o “compromisso de fé exige uma espécie de dependência e de plenitude em relação ao valor daquilo a que nos sujeitamos” (Ibid., p.39). Assim, a fé, para bem ou para mal, é o quê de mais profundo e visceral possuímos, sendo responsável pela orientação da nossa vida e pela busca da “salvação”, e isso, ainda se falando em termos puramente antropológicos, significa que, conforme a “fenomenologia da existência humana [...] a desvela”, a fé é “propensão ou esforço tendente ao infinito” (Ibid., p.40). Isso obviamente não quer dizer que a fé não tenha conexão alguma com a realidade presente. E também não significa que, como já foi dito, não haja pessoas cuja dinâmica da vida não consista em um compromisso com sua própria nação (ou outra!), com a riqueza ou outras coisas e, neste caso, é preciso reconhecer que, no sentido estrito, tal fé não é “religiosa”.

 

Aqui, talvez, surja a necessidade de se fazer a distinção apontada por Marcelo Gleiser, pois, grosso modo, conforme disserta Roger Haight, a “realidade finita, em si mesma, não deve ser objeto de fé religiosa” (Ibid., p.41). Por quê? Um exemplo bíblico ilustra o ponto. O texto de João 20.24-29 relata o caso envolvendo a incredulidade, ou a dúvida, de Tomé a respeito de seus amigos terem visto Jesus após a morte, ou seja, ressuscitado. Oito dias depois de ter aparecido aos discípulos, Jesus retorna ao mesmo local e, nessa oportunidade, encontra Tomé (tudo leva a crer que o Mestre viera naquele dia justamente para isso). Cristo dirige-se ao duvidoso discípulo e oferece-lhe exatamente o que Tomé dissera que solicitaria: “Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega a tua mão e põe-na no meu lado”. O discípulo então exclama o que se pode chamar de uma das grandes confissões neotestamentárias — “Senhor meu, e Deus meu” —, mas é impossível não se notar o tom retórico de Jesus: “Creste porque me viste?”. Ora isso não é “crer”, mas exercer bom senso, pois se está diante da realidade e ainda assim não crê, o problema deixa então de estar no objeto de fé, e vira-se para o próprio agente, uma vez que, estando diante do que antes dizia não crer, se se é normal, não há mais razão alguma para não acreditar. Por isso, Jesus completa: “Bem-aventurados os que não viram mas creram!” (Evangelhos e Atos dos Apóstolos. Novíssima tradução dos originais, p.216). É óbvio que a fé (fé mesmo!), só pode referir-se aos que não viram. Estes sim, podem dizer que têm fé, pois não contemplaram, apalparam e ainda assim creram. Agora, quem viu e tocou, não precisa de fé, somente de bom senso, pois como afirmara René Descartes, “ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo era falso, fazia-se necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, ao notar que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro princípio da filosofia que eu procurava” (Discurso do Método, p.62). Em outras palavras, se o cético duvida também de sua própria existência, então não há mais o que fazer!

 

 

 

Desse percurso reflexivo resultam algumas implicações. A primeira é que, de forma estrita, “a linguagem teológica deve envolver o mistério transcendente. Caso contrário, não é uma afirmação de fé nem uma asserção teológica. Na tradição da teologia cristã, o objeto próprio da fé é, genericamente falando, restrito a Deus” (Dinâmica da teologia, p.41). Assim, continua Haight, “a linguagem ou as afirmações que não comportem uma experiência de transcendência, mas são corroboradas pela evidência empírica, não são, estritamente falando, afirmações teológicas”. Como exemplo, Haight cita o fato de Jesus ter sido um ser humano e diz que tal sentença “não constitui uma afirmação de fé”, bem como, a “assertiva de que a Igreja é uma comunidade de discípulos de Jesus não requer fé para ser apreciada por seu valor de face”, ou seja, por ser algo visível e palpável. Dessa forma, em se tratando dessas afirmações, é preciso reconhecer que são “julgamentos empíricos” e, por isso mesmo, prescindem da fé, pois “uma afirmação teológica implica transcendência” e, continua o mesmo autor, “em si mesmas, essas afirmações não constituem proposições teológicas” (Ibid.). Os dois eventos mais importantes da fé em Cristo — encarnação e ressurreição — são transcendentes e, portanto, objetos de fé. E isso não apenas teologicamente, mas biblicamente, pois o próprio Jesus fala da felicidade de quem não viu e creu, pois Ele ascenderia novamente ao Pai e sabia que se alguém condicionasse o crer a ver e apalpar, tal como Tomé, seria impossível crer, pois Ele não mais se manifestaria dessa forma! Uma vez que o conhecimento, resultado da atividade científica, nos termos de Gleiser (e reconhecido por ele como uma idealização), é “o produto final da pesquisa científica [e] deve ser algo concreto, [posto que as] hipóteses [...] devem ser comprovadas, [e os] dados obtidos em experimentos passíveis de repetição por outros”, a fé, nesse sentido, não é conhecimento. Mas também é preciso reconhecer que, se essa definição, ou visão do conhecimento científico, diz o matemático John Lennox, fosse mesmo “sustentada, ela não aceitaria a maior parte da cosmologia contemporânea como ciência”, pois é complicado ver, por exemplo, “como o modelo padrão para a origem do Universo pode descrever alguma coisa além de acontecimentos únicos — a origem do Universo não é (facilmente) replicável” (Por que a ciência não consegue enterrar Deus, p.44). Ao referir-se ao primeiro versículo da Bíblia, por exemplo, o mesmo matemático diz que a “declaração de Gênesis é uma declaração de fé, não uma declaração de ciência, exatamente como a asserção de Sagan (referindo-se à frase o “Cosmos é tudo o que existiu, existe ou existirá”, registrada na obra Cosmos) não é uma declaração de ciência, mas de sua crença pessoal” (Ibid., p.40)

 

 

 O Big Bang, o Universo Eterno e o Criacionismo Parte 3

Todos sabemos que a ideia de como o Universo veio a existir é um tema fascinante e a humanidade tão cedo não desistirá de perscrutá-lo. Pelo tempo que o assunto vem sendo explorado e com recursos cada vez mais avançados, representada por alguns cientistas, a humanidade acredita que brevemente encontrará a resposta. Com seu clássico Uma breve história do tempo, Stephen Hawking, surpreendeu a todos em 1988 ao assumir, depois de ter procurado contar a “história do universo”, partindo do Big Bang e chegando aos buracos negros, que “mesmo se descobrirmos uma teoria completa e unificada, não significa que seremos capazes de prever eventos em geral; e isto por duas razões. A primeira é a limitação estabelecida pelo princípio da incerteza da mecânica quântica sobre o nosso potencial de previsão. Não há nada que possamos fazer para fugir disso. Na prática, entretanto, esta primeira limitação é menos restritiva do que a segunda, que brota do fato de não podermos resolver exatamente as equações da teoria, exceto para situações muito simples. (Não podemos mesmo resolvê-las para o movimento de três corpos na teoria da gravidade de Newton, e a dificuldade aumenta com o número de corpos e a complexidade da teoria.)” (Uma breve história do tempo, pp.230-31). O grande sonho de Hawking, desde aquela época, era “encontrar” uma teoria unificada que pudesse resolver tais questões, o que seria uma “teoria definitiva do Universo”. O cientista, porém, mais lúcido naquele tempo, disse que ainda que tal teoria exista e, caso fosse descoberta, “jamais se teria certeza de que, de fato, seria a versão correta, uma vez que teorias não podem ser comprovadas” (p.229).

 

 

 

Vinte seis anos depois, o cosmólogo, físico teórico, professor fundador e diretor do Projeto Origens da Arizona State University, Lawrence Krauss, empolgado com as descobertas anunciadas em 17 de março do ano passado que, inclusive, conforme já foi dito no primeiro texto dessa série (O Big Bang, o Universo Eterno e o Criacionismo — Parte 1) não se confirmou, afirma em artigo assinado para Scientific American Brasil de novembro passado que, a despeito de “o júri ainda não [ter] se pronunciado sobre se realmente vimos um farol do universo primordial, não vamos ter de esperar muito para saber” (Cicatriz do Big Bang in Scientific American Brasil, p.48). Lawrence Krauss acredita que 2015 será um ano decisivo para essa questão. O que ficou conhecido popularmente por “ondas gravitacionais”, na realidade, diz Krauss, trata-se do “experimento Imageamento de Fundo de Polarização Cósmica Extragaláctica 2 (BICEP2, na sigla em inglês) no polo sul” (Ibid., p.54). Se o sinal detectado pela equipe em março passado se confirmar, será um passo decisivo “para a física de partículas”, diz o mesmo autor, pois explicará “novos fenômenos sobre a natureza das forças fundamentais”. Isso não é tudo, de acordo com Krauss, em se confirmando o sinal do BICEP2, “nossa visão empírica do Universo terá aumentado muito mais que em qualquer momento da história da humanidade”, pois será uma prova incontestável da inflação imaginada pela teoria do Big Bang. “Em primeiro lugar”, revela Krauss, “a intensidade inferida do sinal de ondas gravitacionais implica que a inflação ocorreu numa escala de energia muito próxima da escala de energia em que as três forças não gravitacionais da Natureza*, se juntaram numa grande teoria unificada, mas somente se existir uma nova simetria da Natureza — a supersimetria”. A constatação dessa última implicaria no fato da “existência de uma abundância de novas partículas com massas na faixa que pode ser verificada pelo LHC quando for reativado” (Ibidem). Existe ainda “outra explicação menos especulativa na descoberta das ondas gravitacionais da inflação”, tal refere-se ao fato de que tais “ondas poderiam ter sido geradas pela amplificação de flutuações primordiais no campo gravitacional durante a inflação”. Ele então completa dizendo que se esse “for o caso, então a gravidade deve ser descrita pela teoria quântica” (Ibidem). Em termos diretos, seria a unificação desses dois campos.

 

 

 

 

A empolgação de Krauss torna-se justificável quando se verifica que a busca de Stephen Hawking era justamente pela possibilidade de tal unificação. Não obstante, conforme o mesmo autor diz, a observação direta de tal possibilidade, baseada na física de partículas, conforme propôs Alan Guth, em 1980, ao dizer que o Universo poderia ter se inflado rapidamente logo após o Big Bang (algo que o, à época, jovem físico, chamou de “inflação, apoiando-se numa parte central do Modelo Padrão da física de partículas chamada quebra de simetria espontânea, que descreve como forças que uma vez estiveram unificadas se separaram”, p.49), assim “como no caso do campo Higgs, o campo de quebra de simetria produziria partículas massivas e exóticas, mas as massas envolvidas no processo eram muito maiores que a massa de partícula de Higgs” (p.52). O que isso significa? Significa que, para comprovar tal possibilidade, “seria necessário construir um acelerador 10 trilhões de vezes mais poderoso que o LHC para explorar diretamente as teorias que respaldam esse fenômeno” (Ibid.). As referidas teorias são chamadas de “teorias da grande unificação, ou GUTs, porque unificam as três forças do Universo — exceto a gravitação — numa única força” (Ibidem). Assim, em termos simples, Krauss diz que “apesar de a ideia da inflação ser bastante convincente, não existe até o momento qualquer teoria básica que explique exatamente como a inflação deve ter ocorrido, principalmente porque não conhecemos detalhes associados à grande unificação, como o nível exato de energia em que as forças se unificaram” (p.53). Por isso, ele especula que “enquanto teorias inflacionárias mais simples explicam boa parte do que observamos no Cosmos atualmente, diferentes versões de inflação poderiam ter criado universos totalmente diferentes”. Para saber mais, e com mediana segurança, Krauss afirma ser preciso “investigar o Universo diretamente, para encontrar evidências de inflação e, se isso de fato ocorreu”, ou seja, a ideia é “explorar detalhadamente a física envolvida” (Ibid.), algo que só pode ser feito com as ondas gravitacionais, daí a importância da confirmação do achado de março passado.

 

 

 

 

A unificação, sobretudo, da gravidade e da mecânica quântica, é um assunto “particularmente importante porque ainda não existe nenhuma teoria da gravidade quântica bem estabelecida” (p.54). A procura é por “uma teoria que descreva a gravidade usando as regras que governam o comportamento da matéria e da energia nas menores escalas possíveis”. Krauss explica que a “teoria de cordas é talvez a melhor opção até o momento, mas não há evidências de que esteja correta ou de que possa, consistentemente, resolver todos os problemas que a teoria da gravitação quântica completa deveria resolver”. O mesmo autor informa que, “como mostrou Freeman Dyson, do Institute for Advanced Study, em Princeton, Nova Jersey, não há dispositivo terrestre capaz de detectar grávitons individuais, as supostas partículas quânticas que transportam a força da gravidade, porque para isso o detector deveria ser tão grande e denso que colapsaria formando um buraco negro antes de completar uma observação”. Krauss diz então que ainda que se fizesse tudo isso, conforme especulou o mesmo Dyson, “não se pode garantir que a gravidade seja descrita por uma teoria quântica”. Por isso, Krauss anuncia com entusiasmo que, “se as ondas gravitacionais geradas pela inflação forem realmente confirmadas, o argumento de Dyson pode ser removido, ainda que permaneça uma lacuna”. Assim, continua ele, em se confirmando os achados de março de 2014 e se, “de fato, encontrarmos ondas gravitacionais da inflação, objetos clássicos (não quânticos), poderemos calcular a origem dessas ondas usando mecânica quântica”. Ainda que, admite ele, “todos os resultados da física clássica, incluindo o movimento de uma bola de beisebol em voo, não provam que a mecânica quântica está por trás deles: o movimento da bola será idêntico, mesmo se a mecânica quântica não existisse”. Assim, afirma Krauss, “precisamos provar que a geração de ondas gravitacionais pela inflação, ao contrário do movimento de uma bola de beisebol, decorre de processos quânticos”. Lawrence Krauss revela que, há pouco tempo, ele e um colega chamado Frank Wilczek, do Massachusetts Institute of Technology, fecharam essa lacuna: “Usando a técnica mais básica da física, análise dimensional, que explora fenômenos físicos representando-os nas suas unidades de massa, espaço e tempo, é possível demonstrar; em bases gerais, que o fundo de ondas gravitacionais produzido apenas pela inflação desapareceria se a constante de Planck — a quantidade que comanda a intensidade dos efeitos quânticos — desaparecesse”. A conclusão de Krauss a respeito dos achados de março último é que, “se a equipe do BICEP2 tiver realmente medido ondas gravitacionais da inflação, a gravidade precisa ser descrita por uma teoria quântica” (p.55).

 

 

 

Além da unificação da mecânica quântica e da gravidade, Krauss revela o que interessa ainda mais nessa pesquisa. Ele afirma que o entendimento perfeito das “origens do Universo e a questão provocativa de, por que, afinal ele existe, [depende de se] provar a inflação pela observação de ondas gravitacionais”. Tal, segundo ele, proporcionará que se torne “física concreta” o que muitos consideram atualmente uma das “maiores especulações metafísicas”. Antes de revelar o que se trata, Krauss relembra a ideia de Alan Guth de que “a inflação é produzida por um campo que armazena e libera quantidades enormes de energia durante uma transição da fase”. A partir dessa premissa ele chama a atenção para o fato de que “as características desse campo implicam que, uma vez iniciado o processo, o campo que produz a inflação tende a continuar a inflar o Universo ad infinitum”, isto é, a “inflação prosseguirá indefinidamente, impedindo a criação do Universo como o conhecemos, porque qualquer matéria e radiação preexistente terá sido diluída pela expansão, deixando nada mais que vácuo em rápida expansão”. Krauss informa que o físico Andrei Linde, da Stanford University, “descobriu uma forma de escapar desse problema”, mostrando que “logo após uma pequena região do espaço completar a transição de fase, depois de ter se expandido o suficiente, essa região pode abranger o Universo observado atualmente”. Assim, “no restante do espaço, a inflação pode continuar para sempre, com pequenas ‘sementes’ formando-se em diferentes locais onde a transição de fase pode ser completada”. O resultado é que “em cada uma dessas sementes, surgiria um universo isolado, que sofreria uma expansão quente como o Big Bang”. Nessa perspectiva ou “cenário de ‘inflação eterna’ nosso universo então integraria uma estrutura muito maior, capaz de ser infinitamente grande e, em última instância, poderia conter um número arbitrariamente gigante de universos desconexos que podem ter sido formados, podem estar se formando ou ainda se formarão”. De quebra, diz Krauss, “dependendo de como ocorre a transição de fase que termina com a inflação em cada semente, a física que rege cada universo resultante pode ser diferente”.

 

 

 

A especulação é conhecida como “hipótese de multiversos” e, basicamente, indica que “o nosso universo pode ser um de um número infinitamente grande de universos separados, fisicamente diferentes”. A conclusão de Krauss, ao aventar tal possibilidade, é que ela indica ser “possível que as constantes físicas que vigoram em nosso universo sejam como são por mero acaso”, isto é, “se fossem diferentes, seres como nós poderiam não ter evoluído para medi-las” (Ibid.). O problema que Krauss procura contornar aqui é o do chamado princípio antrópico que, conforme explica Hawking, “diz que o universo tem de ser mais ou menos como o vemos, porque, se fosse diferente, não haveria ninguém para observá-lo” (O Universo numa casca de noz, pp.85-87). Além disso, trata-se de “uma perspectiva diametralmente oposta ao sonho de uma teoria unificada, com total poder de previsão, na qual as leis da natureza são completas e o mundo é do jeito que é porque não poderia ser diferente” (Ibid., p.86)**. É por isso que, finalizando sua argumentação, Krauss diz que tal “noção, talvez pomposa demais conhecida como Princípio Antrópico é incompatível para muitas pessoas e leva a uma infinidade de problemas que os físicos ainda precisam resolver” e, sem dúvida alguma, como ele mesmo admite, “para muitos, multiversos e princípio antrópico indicam até que ponto a física básica pode divergir do que seria considerado ciência empírica”. É justamente por isso, por causa da metafísica envolvida na interpretação da existência do universo, que Krauss finaliza esperançoso seu artigo: “Mas se o BICEP2 (juntamente com o LHC e outros experimentos) permitirem provar o fenômeno da inflação e da grande unificação poderemos determinar inequivocamente a física fundamental que rege o Universo nessas escalas de energia e tempo”. Ele sugere que, em se confirmando os achados de março de 2014, “um dos resultados” pode ser justamente o de que “a transição inflacionária que produziu nosso universo observável requeira a inflação eterna de Linde” e, sendo assim, “embora nunca tenhamos observado diretamente outros universos, estaremos tão seguros da existência deles como estavam nossos antepassados no início do século passado em relação à existência de átomos, mesmo sem poder observá-los diretamente”.

 

 

 

Apesar de o modelo cosmológico do Big Bang ser aceito por grande parte dos cientistas, entre eles, os autores aqui citados, Lawrence Krauss e Stephen Hawking, este último, em sua autobiografia, afirma que sempre “ouvira falar que a luz das galáxias distantes tendia para a extremidade vermelha do espectro e que isso devia indicar que o universo estava se expandindo. (A tendência para o azul teria significado que estava se contraindo.)”. Hawking, entretanto, afirma que “tinha certeza de que deveria haver alguma outra razão para o desvio para o vermelho” (Minha breve história, p.32). O cientista lucasiano de Cambridge afirma que, dois anos depois, em seu ph.D., descobriu que estava errado. Tal conclusão, no entanto, ainda deixava o problema da área do horizonte por ser resolvido: O universo teria tido um início? Esse era o “pé na porta” da teoria para os cientistas. Assim, a ideia que estimulou Hawking foi justamente a questão de como contornar tal problema. Uma vez que a uniformidade do universo observável exigia que ele, no modelo do Big Bang, tivesse tido início em uma singularidade, diz Hawking, “era necessário [...] um espaço-tempo sem uma singularidade, como na versão euclidiana do buraco negro”. Ele então conversou com o físico estadunidense Jim Hartle “sobre como aplicar a abordagem euclidiana à cosmologia”. De acordo com tal abordagem, “o comportamento quântico do universo é dado por histórias múltiplas de Feynman no tempo imaginário”, assim, continua Hawking, “como o tempo imaginário se comporta como mais uma direção no espaço, as histórias no tempo imaginário podem ser superfícies fechadas, como a superfície da Terra, sem início ou fim”. Hawking revela então que ele e Jim decidiram “que essa era a escolha mais natural, na realidade a única escolha natural”. Eles então formularam a “proposta sem fronteira”, isto é, “que a condição de contorno do universo é que ele é fechado e sem fronteira” (Ibid., p.132).

 

 

 

 

Hawking explica que, de acordo com “a proposta sem fronteira, o início do universo foi como o polo sul da Terra, com graus de latitude assumindo a função de tempo imaginário” (Ibid., pp.132-33). Tal seria mais ou menos assim: “O universo começaria como um ponto no polo sul. À medida que nos movemos para o norte, os círculos de latitude constante, representando o tamanho do universo, se expandiriam. Perguntar o que aconteceu antes do começo do universo se tornaria assim uma questão sem sentido, já que não há nada ao sul do polo sul”. Assim, prossegue o mesmo autor, o “tempo, medido em graus de latitude, teria um começo no polo sul, mas o polo sul é muito semelhante a qualquer outro ponto do globo. As mesmas leis da natureza que vigoram no polo sul vigoram em outras partes. Isso removeria aquela objeção secular a que o universo tenha um começo — que seria um lugar onde as leis normais colapsavam. O começo do universo seria, ao contrário, governado pelas leis da ciência” (Ibid., p.133). Hawking explica que essa foi a solução que ele e o físico Jim Hartle encontraram para contornar a dificuldade científica e filosófica de que o tempo tivesse um começo, transformando-o em uma direção no espaço”. Para Hawking, a chamada “condição sem fronteira implica que o universo seja espontaneamente criado a partir do nada” (Ibidem).*** Esse é o aparato teórico criado para que o modelo do Big Bang continue sendo viável, ao mesmo tempo em que se evita o problema do início ou do que havia antes do início.

 

 

 

 

 

 

 

* São elas “a força eletromagnética, a força eletrofraca e a força eletroforte (responsável por manter prótons e nêutrons unidos)” (Ibid., p.52).

** Conforme Hawking explica, “Há várias versões diferentes do princípio antrópico, variando daquelas tão fracas a ponto de serem absurdas. Embora a maioria dos cientistas relute em adotar uma versão forte do princípio antrópico, poucos questionariam a utilidade de alguns argumentos antrópicos fracos” (Ibid., p.86). Ele exemplifica dizendo que o “princípio antrópico fraco consiste em uma explicação de quais das diferentes e possíveis épocas ou lugares do universo nós habitamos, calculando quais épocas ou lugares nós poderíamos habitar. Por exemplo, a razão por que o big-bang ocorreu há cerca de dez bilhões de anos é que o universo precisa ser suficientemente velho para que algumas estrelas tenham completado sua evolução a fim de produzir elementos como oxigênio e carbono, dos quais somos constituídos, e suficientemente novo para que algumas estrelas ainda estejam fornecendo energia para sustentar a vida” (Ibidem).

*** Assim como qualquer teoria ou proposta de reforma teórica, Hawking afirma que, “recentemente, Jim Hartle, Thomas Hertog (outro ex-aluno) e eu descobrimos que há uma dualidade entre universos inflacionários e espaços que têm curvatura negativa. Isso permite que formulemos a proposta sem fronteira de um jeito novo e que usemos os consideráveis mecanismos técnicos que foram desenvolvidos para tais espaços. A proposta sem fronteira prevê que o universo começa quase completamente liso, mas com alguns minúsculos desvios. Esses desvios crescem à medida que o universo se expande, e levarão à formação de galáxias, estrelas e todas as outras estruturas do universo, incluindo seres vivos. A condição sem fronteira é a chave da criação, a razão pela qual estamos aqui” (Ibid., pp.133-34).

 

 

 

 

O Big Bang, o Universo Eterno e o Criacionismo Parte 4

Conforme o texto anterior, apesar de Stephen Hawking e o físico Jim Hartle terem criado um artifício para driblar o problema do início do Universo sem, contudo, abrir mão do modelo cosmológico da hipótese inflacionária, conhecido como Big Bang, outros físicos e cosmólogos — menos midiáticos e conhecidos do grande público —, partem de outra perspectiva para a existência de tudo. E não o fazem desprovidos de argumentos e hipóteses, muito exequíveis por sinal, para propor a tese de o Universo ser eterno e infinito, isto é, conforme popularmente se entende, sem início, limite ou possibilidade de fim.* Evidentemente que colocado dessa forma, têm-se a impressão de que se está falando de algo simples e que apela para uma fuga da evidência. Nada mais longe da verdade. A proposta apresentada pelo cosmólogo brasileiro Mário Novello, do Instituto de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica (ICRA) do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), versa sobre a ideia de um “cenário” físico em que se tem um “Universo eterno dinâmico”. Em sua obra Do Big Bang ao Universo Eterno, na dedicatória ao físico José Martins Salim, com quem Novello diz ter tido a alegria de descobrir o modelo do Universo Eterno, o autor descreve — sucintamente — tal modelo da seguinte forma: “Somente no final da década de 1970 descobriu-se a primeira solução analítica das equações da teoria da relatividade geral de Einstein, representando uma cosmologia sem singularidade. Essa solução descreve um Universo eterno espacialmente homogêneo, colapsando a partir do vazio. Seu volume total diminui com o passar do tempo cósmico, até atingir um valor mínimo, e, a partir daí, entra na atual fase de expansão” (p.5).

 

 

 

Pela hegemonia desfrutada popularmente, inclusive entre a comunidade científica, mal comparando, questionar o modelo da hipótese inflacionária na física equivale a questionar a evolução na biologia. Contudo, o problema fundamental que se impõe nessa discussão suscitada por Novello é o seguinte: “o Universo teve um começo em um tempo finito, ou ele é eterno?” (p.12). Para o público geral, a questão é atrativa e fundamental, muito embora para mentes pouco treinadas e não afeitas à discussão acadêmica pode também parecer pura perda de tempo embrenhar-se nessa discussão. Não obstante, como afirma Novello, “um detalhe [...] tem faltado às análises envolvidas na questão do big bang — e que vai além do simples exame deste modelo e de seu possível poder explicativo”. Trata-se da questão de que, “ao ser indagado se ‘o Universo é singular?’, ou se ‘existiu um momento único de criação deste nosso Universo?’, grande número de cosmólogos respondeu que ‘sim’ — embora com maior frequência nas duas últimas décadas do século passado” (p.17), ou seja, nem sempre foi assim. A despeito da evidente importância da questão, para Novello, tal pergunta foi “malformulada”. Ele defende que a indagação, nesses termos, não era adequada pelo fato de que, “para respondê-la, é necessário empreender uma extrapolação impossível de ser controlada pela observação direta”. Em outras palavras, é uma questão que escapa às possibilidades de resposta da ciência. Novello diz que a “boa questão — esta sim possuindo consequências científicas relevantes — é um pouco menos preciosa, menos exuberante, em aparência, menos abrangente, embora bem mais fundamental. A pergunta que deve ser feita é esta: pode a ciência produzir uma explicação racional para a evolução do Universo se o big bang for identificado com o começo de tudo que existe?” (p.18).

 

 

 

Para pensar acerca da resposta a esta questão, é preciso que, de início se visualize as diferenças entre as duas propostas, isto é, no modelo do Big Bang (originado com uma singularidade) e do Universo Eterno (sem singularidade).** No cenário do primeiro, “o momento singular, caracterizado por uma condensação máxima pela qual o Universo passou há uns poucos bilhões de anos, é identificado ao ‘começo do Universo’ e não permite análise ulterior. Em oposição, no cenário não singular, o Universo não tem um ‘começo’ separado de nós por um tempo finito em nosso passado; aquele momento de condensação máxima nada mais é que um momento de passagem de uma fase anterior para a atual fase de expansão”. Apesar de o primeiro modelo parecer óbvio e o mais simplificado, do ponto de vista científico, com o “modelo cosmológico do Universo eterno, nesses cenários não singulares, dá-se um passo a mais, ao procurar uma explicação racional para a expansão do volume total do Universo”. Em outras palavras, diz o mesmo autor, “trata-se de retirar o limite que os cientistas se impuseram arbitrariamente, no século XX, rumo à análise do que teria ocorrido antes do momento de máxima condensação, produzindo aquele estado único, especial, a partir do qual o volume total do espaço aumentaria com o passar do tempo cósmico, exibindo uma expansão” (p.12). Não se decide qual desses modelos está certo por questão de preferência, mas de acordo com o modo como a física se organiza, ou seja, “a partir do princípio de Cauchy, que descreve o modo pelo qual se dá o concerto entre teoria e observação” (p.18). Como funciona a aplicação de tal princípio? Mário Novello explica que

 

 

 

 

“Ao se realizar uma experiência, obtém-se certo número de informações sobre dado processo físico. Com a repetição desta ou de outras observações, amplia-se o conhecimento de diferentes propriedades associadas ao fenômeno em questão. Esse processo é então descrito por uma teoria que permite conhecer a evolução temporal do fenômeno e sobre ele inferir previsões. Novas observações permitem então verificar a validade ou não das previsões. O procedimento é bastante geral — e até uma história do Universo pode ser estabelecida segundo tal modo convencional de organização”. Em termos diretos, com esse princípio simples, “o cientista produz uma explicação dos fenômenos segundo o esquema ‘observação-teoria-observação’” (p.18). O que salta aos olhos nessa discussão é como obter material para se utilizar em cosmologia. Novello explica que, a fim de se “seguir o procedimento convencional na cosmologia, é indispensável obter observacionalmente informações sobre as características do Universo em dado momento. Só assim se poderiam elaborar e testar teorias globais a respeito de sua evolução. Se, por alguma razão, em determinado momento, não for possível medir quantidades físicas de natureza global associadas ao Universo como um todo, esse modo de proceder não pode ser adotado”. O mesmo autor esclarece que existem “várias condições para que o procedimento possa ser efetivado. A mais simples e fundamental delas requer que todas as grandezas envolvidas sejam descritas por quantidades finitas. Isso se deve ao caráter finito de toda observação, pois qualquer medida demanda um número de real e finito para caracterizá-la. Assim, ao identificar o começo de tudo a uma explosão inicial — como faz a proposta do cenário do big bang — em que quantidades a princípio observáveis atingiriam, segundo o modelo, o valor infinito (como a densidade de energia total do Universo), esta condição básica não estaria preenchida” (p.19).

 

 

 

O mesmo autor completa, dizendo que a “consequência inevitável” desse problema “de construir uma ciência da natureza envolvendo a totalidade do que existe”, é que “não seria possível construir uma base teórica a partir da qual se estabeleceria uma história completa do Universo”. Isso pelo simples fato de que a “cosmologia não descreveria esta totalidade”. Dessa maneira, finaliza Novello, “no modelo big bang stricto sensu, a cosmologia não poderia se constituir como ciência” (p.19). É justamente por isso que, na segunda parte dessa discussão, ao finalizar o texto citando a definição de ciência do físico Marcelo Gleiser (e exposto acima no princípio de Cauchy explicado por Novello), o matemático John Lennox, disse que se essa definição, ou visão do conhecimento científico, fosse mesmo “sustentada, ela não aceitaria a maior parte da cosmologia contemporânea como ciência”, pois é complicado ver, por exemplo, “como o modelo padrão*** para a origem do Universo pode descrever alguma coisa além de acontecimentos únicos — [em termos diretos] a origem do Universo não é (facilmente) replicável” (Por que a ciência não consegue enterrar Deus, p.44). A questão que agora se impõe é a seguinte: Por que, apesar de tais objeções, o modelo cosmológico do Big Bang prevaleceu e ainda prevalece? Novello diz que há duas razões principais, sendo uma teórica e outra de “natureza observacional”. A última foi amplamente discutida nos três textos anteriores, pois refere-se à experiência dos radioastrônomos americanos, Arno Penzias e Robert Wilson. A outra razão, mais formal, se deu com a “utilização simples da lei de conservação de energia [que] permitiu concluir, a partir da observação, que a temperatura de equilíbrio desse gás de fótons foi maior no passado” (p.21). Assim, a associação daquilo que foi captado, e que seriam “ecos da criação”, com a ideia de um Big Bang, só aconteceu por causa de “uma evolução formal, consubstanciada em alguns teoremas que, a partir de considerações gerais envolvendo a evolução de processos descritos pela interação gravitacional, levaram à interpretação de que uma singularidade inicial — imediatamente associada ao big bang — seria uma característica típica do Universo” (p.22).

 

 

 

A despeito de essas “duas descobertas” terem sido cruciais no sentido de criar as “condições para o estabelecimento e ascensão do modelo explosivo de Universo”, como revela Novello, na verdade, não foram elas que induziram “os físicos a pensar que teria havido um instante de ‘criação do Universo’”. Ele afirma que a “verdadeira responsável por isso foi a ideologia que estava além das observações, e que os levou a concluir abruptamente que, se o Universo tivesse sido mais quente no passado, não deveria haver limite superior à sua temperatura. Consequentemente, ela teria atingido o valor infinito em um tempo separado de nós por um valor finito — uns poucos bilhões de anos. Teria havido uma grande explosão inicial dando origem a tudo que existe!” (p.22). O que está se dizendo é que havia um clima cultural e teórico propício para que tal modelo, à época, se sustentasse. Tal se dá por duas questões principais. A primeira delas vem do que Thomas Kuhn chama de paradigmas, isto é, “as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (A estrutura das revoluções científicas, p.13). Segue-se ainda o fato de que, diz Kuhn, “para ser aceita como um paradigma, uma teoria deve parecer melhor que suas competidoras, mas não precisa (e de fato isso nunca acontece) explicar todos os fatos com os quais pode ser confrontada” (p.38). A segunda questão está intimamente ligada a esse último argumento de Kuhn, e é explicada por Novello em um excelente artigo, publicado na Scientific American, intitulado “Sob o Espectro de Ptolomeu”, onde o autor critica a “Ideia de que a cosmologia não traz novidades sobre as leis fundamentais da Natureza” e diz que tal argumento “retoma princípios que geraram o geocentrismo”. Ele inicia sua discussão dizendo que o “matemático francês Henri Poincaré argumentava que o papel dos astrônomos na certeza de que a Terra gira sobre o seu eixo e em torno do Sol não era indispensável”. Novello afirma que Poincaré “se convencera disso através do exame dos argumentos, cada vez mais complexos e mirabolantes, que haviam sido criados para explicar os movimentos nos céus”. Ele diz que, após “testar inúmeras hipóteses e ampliá-las cada vez mais com propriedades inusitadas e complexas, algum cientista — diz Poincaré — haveria de ter chegado à certeza de que a Terra não é o centro do Universo por uma única razão: ela é a hipótese mais simples!” (ano 13, n° 147, agosto de 2014, p.20). Novello afirma que esse “exercício de construção teórica contado pelo filósofo alemão Hans Blumenberg (1920-1996) nada mais é do que um exemplo particular de uma atitude bastante disseminada entre os cientistas do que se convencionou chamar ‘a navalha de Occam’. A escolha do modo mais simples, do caminho menos tortuoso, daquilo que parece ser a forma natural de construir uma explicação para os fenômenos: é esse processo que se costuma atribuir ao procedimento de Occam” (Ibid.).

 

 

 

Além da obviedade do modelo, havia ainda uma aceitação irrestrita da sociedade pelo fato de que milenarmente, tal pensamento coadunava com as descrições gerais acerca da totalidade, isto é, a “aceitação da existência de um momento singular — o instante de criação (identificado com a explosão) —, por exemplo, está intimamente relacionada ao imaginário de várias sociedades arcaicas” (Do Big Bang ao Universo Eterno, p.24). Do ponto de vista da aceitação popular da ideia, não havia apenas essa vantagem, Novello diz que tal “modo de descrever a criação, os momentos iniciais do Universo, tem seu análogo em diversas religiões que identificam em suas cosmogonias o tempo mítico/mágico no qual os deuses se debruçaram para além de suas atividades usuais a fim de empreender a criação do mundo” (p.24). O cosmólogo afirma que, na “comunidade judaico-cristã, em particular, a ideia de um começo único e singular pareceu a muitos — incluindo o papa Pio XII — uma descrição científica da criação do Universo bastante aceitável e até desejável, posto que de fácil adaptação aos ensinamentos de livros religiosos fundamentais, como a Bíblia” (pp.24-25). A respeito desse ponto, Novello informa que, “Curiosamente, as civilizações antigas elaboraram também mitos cosmogônicos que podemos associar a universos eternos, nos quais a criação ocorreu ‘em uma época tão remota que não podemos sequer contar quanto tempo se teria passado desde então’” (p.25). O fato é que “Modelos alternativos sustentando a ideia de que o momento de condensação máxima não é uma barreira intransponível e pode ser analisado como resultado da existência de uma fase anterior só passaram a ser considerados competitivos com o modelo big bang, por parte do establishment, na virada do século XXI”. A ideia dos defensores desses cenários é, basicamente, a seguinte: “a extensão de duração do Universo não é mensurável, arrastando o que poderíamos chamar de ‘momento de criação’ para o infinito passado”. Evidentemente que, como parece, o momento que marca o start inicial não se resolve facilmente e nem pode ser negado, pois, como reconhece o próprio Novello, “Tanto o modelo big bang quanto os diferentes modelos de Universo eterno produzem dificuldades de compreensão que vão além da simples questão técnica” (p.25). Mesmo ciente disso, é interessante conhecer a proposta do modelo sem singularidade, chamado de Universo Eterno. Antes, porém, é prudente lembrar que, assim como há vários modelos de Big Bang, também existem muitos modelos de Universo Eterno.

 

(Continua na próxima coluna).

 

 

 

* “Infinito é o que está além do contável, mesmo que matemáticos considerem diferentes tipos de infinito, os contáveis e incontáveis. Pois é, existem infinitos diferentes. Por exemplo, o conjunto dos números inteiros (..., –3, –2, –1, 0, 1, 2, 3, ...) é um conjunto infinito contável. Outro exemplo é o conjunto dos números racionais, números da forma geral p/q, construídos a partir de frações de números inteiros, como 1/2, 3/4, 7/8 etc. (excluindo a divisão zero). O número de objetos em cada um desses conjuntos (também conhecido como o ‘cardinal’ do conjunto) é chamado de ‘alef-0’. Alef é a primeira letra do alfabeto hebreu e tem a interpretação cabalística de conectar o céu e a terra: ﬡ. Aleph-0 é infinito, mas não é o maior infinito possível. O conjunto dos números reais, que inclui os conjuntos dos números racionais e o dos números irracionais (aqueles que não podem ser representados por uma fração de inteiros, como √2, π, e), tem cardinal alef-1. Alef-1, conhecido como o ‘contínuo’, é maior do que alef-0; pode ser obtido multiplicando alef-0 um número alef-0 de vezes:  ﬡ 1= ﬡ 0 ﬡ0. O matemático alemão Georg Cantor, o pioneiro que inventou a teoria dos conjuntos e desenvolveu esses conceitos, propôs a ‘hipótese do contínuo’: não existe um conjunto com cardinal entre alef-0 e alef-1. No entanto, resultados atuais indicam que a hipótese do contínuo é ‘indecidível’, isto é, não pode ser provada como verdadeira ou falsa. Vemos que mesmo dentro da rigidez formal da matemática abstrata a mente humana se complica com ideias sobre o infinito” (GLEISER, Marcelo. A ilha do conhecimento. Os limites da ciência e a busca por sentido. 1.ed. Rio de Janeiro: Record, 2014, pp.125-26).

** Em O Mundo de Rebeca (5ª reimpressão, CPAD: Rio de Janeiro, 2011), explico essa questão do que seja uma singularidade.

***Novello explica o chamado modelo-padrão do Universo dizendo que este “baseia-se na existência de uma configuração que descreve seu conteúdo material como um fluido perfeito em equilíbrio termodinâmico, cuja temperatura T varia com o inverso do fator de escala; isto é, quanto menor o volume espacial total do Universo, maior a temperatura” (NOVELLO, M. Do Big Bang ao Universo Eterno. 1.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010, pp.23-24). Dessa forma, continua o mesmo autor, “nos primórdios da atual fase de expansão, o Universo teria passado por temperaturas fantasticamente elevadas, excitando partículas, expondo o comportamento da matéria em situações de altíssimas energias bastante semelhantes às que se encontram nos grandes aceleradores de partículas” (p.24). Daí o porquê de Lennox dizer que, ao se insistir no método do positivismo científico, é impossível reproduzir tal modelo cosmológico em laboratório e, por isso mesmo, tal não poderia ser considerado ciência.

 

 

 

 

                     O Big Bang, o Universo Eterno e o Criacionismo Parte 5

O fato de ter havido modelos de Universo Eterno que não foram bem elaborados, segundo Novello, certamente favoreceu o modelo de singularidade. Uma dessas primeiras propostas que defendia a ideia de que o Universo não teve um começo foi o cenário steady state. Por ter proposto um Universo estacionário, informa Novello, quando a partir da segunda metade da década de 60 foi ficando cada vez mais evidente “para a comunidade científica que o Universo era um processo, que suas características variavam com o tempo e que havia diferenças sensíveis entre o presente e o passado, o cenário steady state começou a ser severamente criticado, e hoje está praticamente abandonado” (p.72). Apesar de o conhecimento de que o Universo está em expansão datar de 1930, foi justamente a confirmação da radiação cósmica de fundo que consagrou tal hipótese aventada trinta anos antes. Não obstante, como revela Novello, em “1998, observações efetuadas em certos tipos de estrelas (supernovas) levaram à proposta — imediatamente aceita pela maioria dos cientistas envolvidos — de que o Universo estaria sendo acelerado”. Tal hipótese, ou conclusão, “mesmo que provisória criou uma dificuldade enorme, incapaz de ser conciliada com o modelo-padrão da cosmologia” (p.73). Em termos diretos, criou-se um conflito com o estabelecido e, até então, inquestionável modelo do Big Bang. Apesar de tal aceleração não ter sido completamente confirmada, tal hipótese “produziu uma verdadeira revolução nas ideias que sustentavam o modelo big bang, pois significava — em linhas gerais — que sua descrição do conteúdo material do Universo estava errada ou, na melhor das hipóteses, incompleta” (p.74). O que motivou essa conclusão? Justamente as hipóteses do modelo-padrão, entre elas a de que “a relatividade geral é a boa teoria da gravitação e que a fonte de curvatura do espaço-tempo é um fluido perfeito”. Para Novello, ocorre nesse momento “uma catástrofe teórica, pois, no interior desse quadro formal, a aceleração do Universo só é possível se a pressão for negativa”. Não apenas isso, “ela teria de ser muito negativa”. Sendo “rigoroso”, diz o cosmólogo, “isso significa que a pressão deveria ser, em valor absoluto, pelo menos três vezes maior que a densidade de energia correspondente”. Restavam então duas possibilidades: “uma configuração material que se pode atribuir a alguma propriedade nova ainda desconhecida; ou aceitar que o nosso conhecimento da interação gravitacional está errado” (p.74). Essas duas opções instaurou uma crise no modelo-padrão.

 

 

 

Novello relata que, “Entre substituir a equação de Einstein ou admitir que o fluido cósmico tenha uma característica muito especial, desconhecida até então, os cientistas escolheram a segunda opção” (p.74). Ele explica que, com isso, admitiu-se “que a aceleração do Universo deveria estar associada a uma fonte de curvatura do espaço-tempo constituída por algum tipo de matéria ou energia que admite a interpretação em termos de um fluido perfeito, descrito por uma densidade de energia E e pressão P negativa, onde a equação de estado P = s E é tal que seu triplo 3s é menor do que – 1 (3s ˂ – 1). Essa substância recebeu o nome de energia escura. Ela não seria identificável a forma alguma de matéria-energia conhecida nem facilmente observável — a não ser indiretamente, pelo comportamento de aceleração de expansão do Universo” (pp.74-75). Uma vez que, como explica Novello, “a relação que envolve a energia e a pressão é precisamente a propriedade necessária para a violação das condições de energia que haviam sido postuladas como naturais e que tinham sido utilizadas para demonstrar os teoremas de singularidade”, o resultado não poderia ser outro em relação ao modelo-padrão, ou seja, “a nova constituição material possui propriedades semelhantes àquelas necessárias para evitar um colapso gravitacional de uma fase em contração para produzir um bouncing”. A consequência inevitável dessa conclusão é que ao mesmo tempo em que os teoremas da singularidade se mostraram inadequados, diz Novello, as “condições para ir além do big bang e produzir um Universo eterno passaram a ser aceitas, pois não seria mais possível usar as restrições dos teoremas de singularidade — posto que as condições de sua aplicação ao nosso Universo não seriam preenchidas”. O cosmólogo esclarece que, a fim de se “gerar um exemplo concreto do cenário acelerado, postulou-se a existência de uma estrutura material identificada com um campo escalar possuindo propriedades muito particulares” (p.75). Tal foi possível graças à física quântica, pois ela transformou de tal maneira “a ideia de corpos materiais que foi possível associar a cada partícula um campo”. Novello diz que “Perdeu-se assim a característica localizada de um corpo clássico, ganhando-se uma extensão no espaço-tempo”. Além disso, como observa o mesmo autor, tais “campos possuem diferentes propriedades” (p.76).

 

 

 

Não obstante, e indo direto ao ponto, “o campo escalar que se procura na cosmologia é de outra natureza”, isto é, “Ele não possui massa, o que torna sua detecção em laboratório terrestre muito difícil”. Contudo, a possibilidade de sua “existência vem sendo intensamente examinada em termos globais, nas últimas duas décadas, em particular na questão da aceleração do Universo” (p.76). O autor aventa, porém, a hipótese de que “outras formas de matéria poderiam estar presentes no mecanismo de aceleração”, por isso, afirma que justamente no momento em que estava escrevendo, não se poderia ainda “afirmar [que], dentre as diferentes formas de energia examinadas, qual deve ser identificada com a chamada energia escura e reconhecida como a verdadeira responsável pela aceleração do Universo” (pp.76-77). Finalmente, Novello apresenta, dentre as várias propostas de modelo sem singularidade, as quatro delas mais estudadas em que, segundo diz, “as causas da ausência de um ponto singular na história da evolução do Universo têm diferentes origens”:

 

 

 

  1. Mudança nas equações da dinâmica do campo gravitacional.
  2. Universo magnético.
  3. Quantização do campo gravitacional.
  4. Novas formas de matéria.

 

 

 

Das quatro, ele apenas aborda algumas questões da proposta do chamado Universo magnético, tendo como finalidade demonstrar como “elas geram cenários sem singularidade constituindo um Universo eterno” (p.78). Sem poder negar o fato de o Universo estar se expandindo, ou evoluindo, Novello afirma que dentre os novos cenários propostos, “o que possui maior consistência e embasamento teórico consiste no chamado Universo eterno dinâmico, no qual teria ocorrido uma fase de colapso gravitacional anterior à atual expansão”. Segundo o mesmo autor, tal é possível concluir pelo fato de que a “análise da evolução de estruturas materiais em grande escala — como por exemplo, as galáxias — permite distinguir propriedades do Universo associadas a uma fase colapsante anterior à atual fase de expansão” (p.90). Não obstante tal defesa, Novello afirma aquilo que, por vezes, já disse: “não devemos perder de vista que a ciência produz verdades provisórias”, sendo assim, como se sabe, em “alguns momentos de sua história, uma dada explicação se mostra tão eficiente que os cientistas caem na tentação de considerá-la a verdadeira descrição da realidade, quando se trata somente de uma representação. Com a cosmologia não é diferente. Como se ocupa da totalidade maior, e que a ela é atribuída a função de construir um pano de fundo, o espaço-tempo, ao qual todo o resto da física deve se adaptar, a cosmologia adquire a especificidade que a singulariza, tornando-a fundamento de toda a descrição do real” (p.91). Assim, provisoriamente pode-se afirmar “que o modelo explosivo foi transcendido” e o “cenário de um Universo eterno dinâmico veio a tomar o lugar que o big bang havia inadvertidamente ocupado durante os últimos 30 anos”. Novello afirma que a “ciência foi além daquele momento de condensação máxima”, porém, isso fez com que ela se visse “às voltas com outras questões”. São elas: “se houve uma fase colapsante anterior, o que teria colapsado e por quê? E qual a razão para, depois de atingir um estágio de altíssima condensação, transformar a fase colapsante na fase de expansão em que vivemos?” (Ibid.). O cosmólogo brasileiro diz que a “cosmologia tem produzido respostas para essas questões que estão ainda no terreno teórico, formal”. Isso significa que para decidir qual dentre elas é a mais provável, será necessário “esperar que novas observações cósmicas confirmem as previsões” (Ibidem).

 

 

 

Assim, continua Novello, as implicações dessas novas propostas e/ou cenários cosmológicos, fizeram com que o “big bang, esse estágio de condensação máxima pelo qual o Universo passou, deix[asse] de ser identificado com o seu ‘momento de criação’ para se transformar — agora, de modo racional — em nada mais que um momento de passagem na história da evolução do Universo” (p.92). O que se percebe pela argumentação de Novello, é que o Big Bang não deixa de existir no cenário de um Universo Eterno dinâmico, mas que deixa de ser a resposta científica para tudo que existe e, paradigmaticamente falando ou, em termos kuhnianos, não mais responde satisfatoriamente os problemas levantados pelas novas descobertas da física. Por isso, atualmente, “ao examinar as propriedades do programa do Universo eterno dinâmico e entendermos o processo físico que permitiu interromper o colapso gravitacional e penetrar na fase atual de expansão, percorrendo os caminhos que antecederam ao big bang, estamos realizando a função de retirar desse momento o início da história do Universo, projetando-a para um passado bem mais longínquo”. Isso significa dizer que será preciso “uma mudança nos hábitos de pensar a totalidade maior”. De acordo com o cosmólogo brasileiro, tal não se dá por um capricho, e sim porque as “propriedades não convencionais da matéria e do espaço-tempo descobertas no cosmo estão produzindo uma revolução fantástica na ciência, que lembra aquela que ocorreu lá atrás, no começo da ciência moderna, há mais de 300 anos, quando cientistas como Tycho Brahe, Kepler, Galileu, Newton e seus companheiros nos proporcionaram uma leitura fascinante do mundo supralunar”. Apesar do destaque do autor a estas personagens e o reconhecimento da importância delas para a ciência, ele garante que a revolução que está acontecendo na cosmologia nos dias atuais “está produzindo um momento maravilhoso de encantamento e de novidades no comportamento da matéria que está muito além do que eles realizaram”. Na realidade, ele diz que, “para além da questão da origem do Universo, a cosmologia, ao promover a refundação da física e a destruição do que pareciam ser sólidos paradigmas da ciência, produz mudanças radicais na descrição do real que inevitavelmente se difunde por todo o pensamento moderno”. Novello questiona então: “como esse modo de pensar o Universo afeta o discurso contemporâneo para além da ciência?” (p.92).

 

 

 

O cientista afirma que a liberdade do peso de ter de forçar os estudos em cosmologia, submetendo-os ao paradigma do modelo-padrão ou do cenário com singularidade, já é um avanço. Porém, é preciso iniciar uma reflexão acerca dessa “eternidade que nos é estranha, para incorporá-la a nossos hábitos mentais”. Tal processo não se dá de uma hora para outra. Sobretudo, pelo fato de que tal conhecimento só é acessível através de literatura especializada e não conta com cobertura midiática, visto não ser tão atraente aos olhos do público leigo. O que chama atenção em Novello, é sua honestidade intelectual em almejar que as pessoas resistam “à tentação de considerar esse novo modelo a verdadeira história da criação do Universo” (p.93). Em outras palavras, o cosmólogo brasileiro quer apenas que a proposta do Universo Eterno dinâmico seja considerada, à luz dos dados científicos atuais, como a proposta mais exequível no momento. Só isso, nada mais. Tal postura fará com que se dê mais um passo na descoberta científica da origem do Universo, sem o compromisso de restringir o pensamento a esta ou aquela proposta cosmológica. Mas, se o interesse é tão puro e honesto, algumas perguntas se impõem: A quem interessa a insistência na proposta de um cenário com singularidade, ainda que este não mais responda aos pontos elementares da física? Quais interesses estão em jogo e, por isso mesmo, podem obliterar o conhecimento divergente do que até então se propôs, ainda que a proposta de um Universo Eterno dinâmico conte, nos dias atuais, com mais respaldo do método clássico da física de “observação-teoria-observação”? Os financiamentos estatais e da iniciativa privada que mantêm os laboratórios dos cenários com singularidade, há décadas, seria uma resposta? Ainda não sabemos. Entretanto, a resposta provisória mais óbvia está sendo seriamente questionada e, ao que tudo indica, novos ares científicos ameaçam, mais uma vez, abalar as acomodações teológicas que se fizeram ao utilizar-se o Big Bang como a derradeira e definitiva explicação científica para o surgimento do Universo.

 

 

 

O Big Bang, o Universo Eterno e o Criacionismo — Parte 7

 

Em outras oportunidades, essa coluna já abordou a questão dos diversos “Criacionismos”, mas apenas mencionando-os. Diante do que está sendo discutido, cabe agora analisar tais modelos criacionistas, expondo-os para que se vislumbre a abrangência e a seriedade do tema. Na coluna anterior, discutiu-se o problema da hermenêutica, ou seja, a forma de interpretação dos textos dos relatos da criação. Essa introdução deu o tom da complexidade do assunto, ainda que alguns o tenham como algo resolvido. Na verdade, como afirma Phillip Johnson, a questão de como Gênesis deve ser interpretado “é matéria de debate muito animado, mesmo nos círculos mais conservadores do movimento evangélico” (As perguntas certas, p.51). Assim, prescrever às pessoas, sobretudo acadêmicos, que “devem aceitar uma posição a priori”, não é apenas uma forma não inteligente de promover alguma coisa, mas uma prova de que aquela “verdade” não se sustenta por si, antes precisa de pressão dogmática e, em alguns casos, até de violência para impor-se. O conflito maior se dá com as gerações mais novas que, inseridas nas universidades, ou caem no ridículo ou sucumbem à descrença. Nosso povo precisa aprender que, como apropriadamente diz Johnson, “liberdade acadêmica não é um luxo, mas uma necessidade na educação superior” (Ibid., p.52). Assim, dar esse assunto como “algo resolvido”, revela algumas coisas: 1) desconhecimento; 2) preguiça ou inércia em relação à pesquisa e 3) desonestidade intelectual. A seriedade a ser considerada é que, cada tipo de criacionismo, depende da forma como se interpreta o Gênesis.

 

 

 

No prefácio à obra As perguntas certas, de Phillip Johnson, Nancy Pearcey, enumera seis grupos que, de alguma forma, podem ser classificados como “criacionistas”: “criacionistas da terra-jovem, criacionistas da terra-antiga, geólogos do dilúvio, criacionistas progressistas, teóricos do intervalo e evolucionistas teístas” (p.6). Em nota, o editor explica cada um dos modelos: “Criacionistas da terra-jovem: os que defendem que a terra foi criada há alguns milhares de anos; Criacionistas da terra-antiga: os que argumentam que a terra foi criada há bilhões de anos; Geólogos do dilúvio: aqueles que pesquisam evidências de um dilúvio universal; Criacionistas progressistas: os que defendem que a criação se deu por etapas; Teóricos do intervalo: aqueles que sustentam que houve um intervalo entre Gênesis 1.1 e 1.2; e Evolucionistas teístas: os que sustentam que ocorreu uma evolução sob o controle de Deus” (Ibid.). O que todos esses grupos têm em comum é o fato de crerem que a origem do universo é uma iniciativa divina e não o produto final de interações cósmicas e químicas do acaso (geração espontânea). Dissertando acerca da “Criação do Universo e da Humanidade”, Timothy Munyon, afirma que, de “modo geral, os cristãos evangélicos seguem um dos quatro modelos seguintes, que buscam harmonizar a revelação especial de Deus (a Bíblia) com a revelação geral (o que observamos no Universo) [...]: (1) evolução teística; (2) teoria da lacuna, ou conceito da ruína e reconstrução; (3) criacionismo fiat, conhecido também por teoria da Terra jovem; e (4) criacionismo progressivo, denominado teoria do dia-época” (Teologia Sistemática, p.231). Apesar de os referidos grupos serem apenas variações do que acima já foi elencado, Munyon, após expor panoramicamente o que propõe cada um, apresenta objeções que podem ser feitas, científica e biblicamente, a cada um deles e faz uma observação interessante: “Seria útil [...] se os proponentes de todos esses modelos reconhecessem que as Escrituras realmente não falam de modo tão específico a apoiar integralmente um modelo” (Ibid., p.241). Isso até mesmo porque, como defende a tradição cristã, “Devemos tomar o cuidado de reconhecer plenamente o estado pecaminoso — caído — da humanidade (Jr 17.9; 1 Co 2.14; Tt 1.15,16)”. Sendo assim, é preciso lembrar que o “pensamento humano não pode ser considerado uma capacidade neutra, objetiva e eficaz, por si só” (Ibidem.).

 

 

 

O físico cristão-protestante, Adauto Lourenço, na introdução, e no glossário, de sua obra Como tudo começou, aponta outras propostas, além de algumas variações dos mesmos modelos: “Evolucionismo Teísta: posição teológica onde Deus teria criado o universo e a vida e estes teriam evoluído segundo a explicação naturalista; Criacionismo: cosmovisão que propõe que a origem do universo e da vida são resultados de um ato criador intencional; Criacionismo Bíblico (CB): proposição de que a natureza foi trazida à existência através de um ato criador de Deus, segundo o relato bíblico encontrado no primeiro capítulo do livro de Gênesis, da Bíblia; Criacionismo Científico: propõe que a complexidade encontrada na natureza é resultante de um ato criador intencional. Esta proposta baseia-se no design inteligente encontrado na natureza. A comunidade científica baseia tal proposta na evidência científica, e não em relatos religiosos sobre a criação. Algumas variações do criacionismo científico são: L.A.C. (Long-Age Creationism – Criacionismo de Longas Eras), O.E.C. (Old Earth Creationism – Criacionismo da Terra Velha e Y.E.C. Young Earth Creationism – Criacionismo da Terra Jovem); Criacionismo Religioso: posição religiosa que aceita pela fé os escritos de uma determinada religião sobre a origem da vida e do universo como sendo verdadeiros” (pp.xiii-xiv; p.279). Acerca desse último grupo, o autor acrescenta que o “relato bíblico da criação descrito em Gênesis 1:1-2:4a é um exemplo de Criacionismo Religioso”, e esclarece que tais “formas de criacionismo são geralmente confundidas com as propostas científicas” (Ibid.).

 

 

 

O objetivo do trabalho de Lourenço é ser uma “introdução ao criacionismo”, por isso, o autor apresenta um modelo diferente dos elencados, o qual chama de “Teoria da Criação Especial”. Depois de falar acerca da “Teoria da Criação (TC)”, e dizer que se trata de uma “teoria sobre a origem da vida e a sua diversificação, sobre o universo e a sua estrutura, partindo de pressupostos volitivos (planejamento e propósito)”, o físico esclarece que a “Teoria da Criação Especial (TCE)”, refere-se à “teoria sobre a origem da vida e a sua diversificação, sobre o universo e a estrutura, partindo de pressupostos volitivos (planejamento e propósito), características estas atribuídas a um Criador” (Ibid., p.285). Assim, a diferença entre elas, basicamente é a seguinte: ambas falam acerca do “modo como [a criação] teria ocorrido”, sendo que a primeira restringe-se ao “ato criador” em si, ao passo que a segunda, fala não apenas acerca do “ato criador”, mas também aponta um “Criador” (Ibid., p.57). Lourenço diz que grande parte do preconceito acadêmico com as teorias decorre do fato de não ser feita uma distinção entre “Aceitar a existência de um criador” que, para ele “é um ato racional”, posto que tal pode facilmente ser deduzido da proposição “causa-efeito: método científico – ciência”, e a ideia de se “Aceitar quem é o criador”, este sim “é um ato de fé”, onde para o referido autor, entra a “religião” (Ibid., p.55). Ele lembra que as diferenças entre as teorias aceitas cientificamente como, por exemplo, a do Big Bang, não podem ser conciliadas pela teoria criacionista visto que esta “propõe que o universo foi criado do nada (criação ex nihilo), recentemente, completo, complexo, funcional e com uma possível idade aparente” (Ibid., p.83). Contrapondo naturalismo٭ com criacionismo, ele afirma com convicção que a “proposta criacionista da origem da vida baseia-se primariamente na ciência das probabilidades”, ou seja, “Para que algo aconteça, deve haver uma probabilidade razoável, aceita dentro de certos parâmetros” (Ibid., p.124). E é dessa proposição que, tomando a biologia como a área do saber em que a proposta criacionista atende melhor a ideia de planejamento e, particularmente, fornecendo como exemplo o “processo de informação controlada nas células”, que Lourenço conclui não existir “a menor possibilidade de que tal sistema tenha sido o resultado de bilhões de pequenas coincidências através de bilhões de anos!” (Ibid., p.128).

 

 

 

Uma vez que o propósito de Lourenço é defender o Criacionismo da Terra Jovem, ele critica a ideia de que o universo tenha bilhões de anos. Na verdade, o físico brasileiro afirma que o universo e, consequentemente a Terra, possuem uma idade aparente, ou seja, “parecem velhos”, mas não o são de fato. Em suas palavras, “a teoria criacionista propõe que o universo foi criado do nada (criação ex nihilo), recentemente, completo, complexo, funcional e com uma possível idade aparente” (Ibid., p.83). Seu argumento primeiramente concentra-se na crítica à hipótese inflacionária, especificamente, a teoria do Big Bang. Para isso, ele apresenta refutação a diversos aspectos da Física que são ponto pacífico entre a maioria da comunidade científica, conforme reconhece o já citado John Stott, dizendo que “a evidência geológica em favor de um desenvolvimento gradual ao longo de milhares de milhões de anos parece para muitos cientistas conclusiva” (Para entender a Bíblia, p.55). Isso não significa, óbvio, que tais pontos não possam ser questionados, pois a ciência é feita dessa forma. Contudo, a motivação para assim proceder não pode partir de premissas cuja opinião seja de que elas nunca, sob hipótese alguma, estão equivocadas. Tal vale para o dogmático religioso ou epistêmico, isto é, seja quem for. O grande problema de se desconstruir a ciência para acusá-la de imprecisa quando ela endossa uma teoria, mas utilizá-la na sequência para corroborar o nosso pensamento, é que isso soa não apenas incoerente, mas desonesto intelectualmente falando. Ora, se a pretensão é justamente provar a veracidade e a coerência da proposta, intenta-se fazer isso fundamentado em alguma fonte autoritativa. No caso de teorias, logicamente que se buscará o respaldo da ciência ou da comunidade científica. Assim, desprezar a ciência quando discorda do que se propõe, mas exaltá-la quando parece convergir com o que se pensa, é um expediente desonesto e nada recomendável. Sobretudo, se o que se pretende é apontar para a coerência entre a mensagem cristã e a realidade.

 

 

 

Ao defender o Criacionismo da Terra Jovem, Adauto Lourenço, afirma, por exemplo, que um “universo criado pronto daria a impressão de ter passado por um longo período de desenvolvimento e evolução, quando, na verdade, este período de tempo jamais teria existido” (Ibid., p.91). O físico brasileiro aponta diversos problemas e questões ligadas à teoria do Big Bang e todas essas objeções são pertinentes e dignas de observação. O único ponto intrigante é que o argumento todo se ocupa excessivamente com a problemática da idade do universo e, por conseguinte, da Terra. Cabe perguntar se existe mesmo algum dilema em admitir que o universo possa ter bilhões de anos. Primeiramente é preciso entender que tal questão não pode ser resolvida por uma leitura simplificada de Gênesis 1 e 2, pois sua interpretação, conforme já vimos, não é de fácil aceitação e nem possui apenas uma versão. Em segundo lugar, achar que apenas autores, ou teólogos, liberais são os únicos a ter sérias dúvidas a respeito da interpretação dos referidos textos e, também, quanto ao método de datação da idade da Terra, é outro reducionismo que não se sustenta. O já referido John Stott, depois de afirmar categoricamente que acreditava em alguma forma de evolução (excetuando as que excluem Deus e defendem um processo cego e aleatório), disse que parece não “haver nenhuma razão bíblica para negar que alguma espécie de desenvolvimento evolucionário, servindo a um propósito, possa ter sido o recurso empregado por Deus na criação” (Para entender a Bíblia, p.55). Ele acrescenta que “Sugerir isso de forma cautelosa e temporária de modo algum deprecia a condição única da humanidade” (Ibid., p.56). E na sequência admite: “Eu mesmo creio na historicidade de Adão e Eva, como casal original do qual descende a raça humana”. Entretanto, pondera o seguinte: “Mas minha aceitação de Adão e Eva como figuras históricas não é incompatível com minha crença de que diversas formas de ‘hominídeos’ pré-adâmicos parecem ter existido antes por milhares de anos. Esses hominídeos começaram a avançar culturalmente. Eles faziam suas pinturas nas cavernas e enterravam seus mortos. É concebível que Deus tenha criado Adão a partir de um deles, que se pode chamar de Homo erectus. Penso que se pode até mesmo chamar alguns deles de Homo sapiens, visto que são nomes científicos arbitrários. Adão, porém, foi o primeiro Homo divinus, se é que posso cunhar a expressão: o primeiro homem a quem pode ser atribuída a designação bíblica específica ‘feito à imagem de Deus’. Precisamente em que consistia a semelhança divina estampada nele não sabemos, pois em lugar algum a Escritura nos diz. Parece no entanto que ela incluía faculdades racionais, morais, sociais e espirituais que tornavam o homem distinto de todas as outras criaturas e semelhante a Deus, o criador, e com base nas quais lhe foi dado o ‘domínio’ sobre a criação inferior” (Ibidem).

 

 

 

Após essa argumentação nada tradicional, admita-se, Stott pergunta retoricamente acerca de quando se deve datar Adão. Antes de fazê-lo, ele explica a origem da quantidade de anos que o Criacionismo da Terra Jovem defende que o planeta tem. De acordo com o teólogo britânico, a “cronologia adicionada em 1701 à Versão Autorizada da Bíblia (1611) foi calculada por James Usher, arcebispo de Armagh, a partir das genealogias bíblicas”. Como se deu tal cálculo? Usher retrocedeu “por esse processo”, afirma Stott, e “calculou que Adão havia sido criado no ano 4.004 antes de Cristo” (Ibidem.). No entanto, conforme escrevi, em nota, no capítulo quatro da obra Davi, tomando por base a explicação do pastor Antonio Gilberto, a “‘cronologia bíblica é quase toda incerta; aliás, toda a cronologia antiga é incerta. As datas eram contadas tomando-se por base eventos importantes, e isso dentro de cada povo. Não havia, é óbvio, uma base geral’ (GILBERTO, Antonio. A Bíblia Através dos Séculos. 14.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2003, p.145). O mesmo autor apresenta, ao menos, três classes de dificuldades que devem ser consideradas em qualquer estudo da cronologia bíblica: As fontes de dados, as eras e as do próprio texto bíblico (p.146). Quanto a esta última ‘classe de dificuldades’, o autor assinala que ‘Há, especialmente nos períodos: dos juízes, do reino dividido, e dos profetas, muitos períodos coincidentes em parte, reinos associados, intervalos de anarquia, frações de anos tomadas por anos inteiros, partes tomadas pelo todo, e arredondamento de números. Há vários casos quanto a este último item. Exemplos: Êxodo 12.37 com Números 1.46 e 11.21; Gênesis 15.13 com Gálatas 3.17. Outro caso interessante é o do rei Jotão. Em 2 Reis 15.33 se diz que ele reinou 16 anos, entretanto, no versículo 30 é mencionado seu 20° ano re reinado!’ Na sequência, ele oferece o que pode ser uma possível explicação para essa questão: ‘Quanto ao caso do rei Jotão ter reinado, ele pode ter reinado com seu pai, que era leproso, talvez em seus últimos anos de vida. Esse rei leproso — Azarias — (2 Rs 15.5,7), é também chamado Uzias (2 Cr 26.23)’ (pp.146-7)” (p.93). John Stott caminha na mesma linha de pensamento e diz que as “genealogias [...] nunca alegam serem completas”. Como exemplo ele cita que “está escrito numa das genealogias de Jesus que Jorão ‘gerou’ a Uzias, quando sabemos por 2 Reis que ele não era na verdade seu pai, mas seu trisavô. Três gerações completas foram deixadas de lado. Recentes estudos da história do Oriente Médio confirmam que omissões como essa eram prática comum no traçado de genealogias. Com certeza o propósito das tabelas bíblicas era mais estabelecer a linha de descendência (por exemplo, que Jesus descendia de Davi) do que fornecer uma árvore genealógica completa. Se, então, não pretendem ser completas, não temos argumentos para reclamar de suas opiniões, tampouco podemos usá-las para calcular uma cronologia detalhada” (Para entender a Bíblia, p.56).

 

 

 

 Assim, do ponto de vista estritamente bíblico, parece não haver justificativa alguma para insistir na ideia de um universo jovem e também de uma Terra recente. Isso porque, como afirma John Davis, “Todos os fatos parecem indicar que entre os seis dias sucessivos entrevieram longos períodos” (Dicionário da Bíblia, p.131). Para sustentar sua tese, ele afirma que a “falta do artigo definido antes de cada dia enumerado como está na V. B. [Versão Brasileira] favorece esta suposição”. Surpreendentemente, a fim de corroborar o que afirma, Davis menciona até mesmo a “tradição paralela”, dizendo que tal “como se encontra nos documentos babilônicos, refere-se claramente a intervalos nos atos sucessivos da criação e dá-lhes longa e demorada existência”. Ele diz que a “mais remota forma que existe desta narrativa, encontra-se na história mítica do conflito entre Marduk, deus sol, e Tiamat, o abismo das águas, representado por um dragão que tentava reduzir o universo a um caos” (Ibid.).** John Davis esclarece que “Antes da Reforma, os doutores não interpretavam o dia do Gênesis como sendo um período de 24 horas (Agostinho, de Civ. Dei. 11.6). Somente nestes últimos 400 anos é que se tem pensado que Deus criou o universo em uma semana de sete dias de vinte e quatro horas cada um. Afinal, a geologia e a astronomia começaram a se pronunciar contra esta interpretação. Os mestres destas duas ciências estão convencidos de que miríades de anos foram precisos para produzir o sistema solar, e dar à terra a feição atual através de muitas transformações. Quando se tornou claro que as doutrinas geológicas tinham bases substanciais, o Dr. Thomas Chalmers adotou as suas conclusões, e declarou publicamente em 1804, que ‘os escritos de Moisés não fixavam a antiguidade do globo’” (Ibidem.). O autor citado por Davis é responsável por um concordismo entre o texto bíblico e o que se tinha de conhecimento proveniente da geologia da época. Tal expediente é sempre perigoso, pois, como afirma J. A. Thompson em O Novo Dicionário da Bíblia, organizado por J. D. Douglas, o “ponto de vista concordista tem procurado encontrar uma correlação mais ou menos exata entre a ciência e a Bíblia” (p.281). No entanto, como o mesmo autor afirma no início do verbete “criação”, a doutrina bíblica da criação “não deve ser confundida ou identificada com qualquer teoria científica sobre as origens”. Mesmo porque, continua Thompson, o “propósito da doutrina bíblica, em contraste ao propósito da investigação científica, é ético e religioso” (p.278).   

 

 

 

Mas não são apenas esses autores, definitivamente ortodoxos, que não apoiam um ciacionismo de Terra jovem, outros, igualmente conservadores, não partilham dessa ideia. O conhecido Gleason Archer, diz que “se tivéssemos de entender Gênesis 1 de forma completamente literal — o que pensam alguns ser o único princípio apropriado de interpretação no caso de a Bíblia ser verdadeiramente inerrante e completamente confiável — então não haveria possibilidade de conciliação entre a teoria científica moderna e a narrativa de Gênesis” (Enciclopédia de Temas Bíblicos, p.52). Contudo, ele pontua que “uma crença verdadeira e adequada na inerrância da Escritura não implica numa única regra de interpretação, seja literal, seja figurada” (Ibid.). Seguindo a linha de que os dias da criação de Gênesis não podem ser de 24 horas, Archer converge com Stott e afirma que “independentemente de quão pouco confiáveis possam ter sido os métodos de datação que levaram a estimativas tão elevadas da antiguidade [dos] antropoides, permanece o fato de que eles não podem ser datados como anteriores à criação de Adão e Eva, a que se refere Gênesis 1—3. Não importando como as estatísticas de Gênesis 5 sejam tratadas, elas dificilmente podem determinar para Adão uma data muito anterior a 10000 a.C. Se os números em Gênesis merecerem confiança, mesmo admitindo a ocorrência de lacunas esporádicas na corrente genealógica, somos forçados a considerar todos esses antropoides primitivos como pré-adâmicos. Em outras palavras, todas essas espécies, desde os cro-magnos, voltando até os zinjantropos, devem ter sido de macacos avançados ou antropoides possuidores de considerável inteligência e criatividade — mas que desapareceram completamente antes que Adão e Eva fossem criados” (Ibid., p.57). O mesmo autor, concluindo o assunto acerca dos períodos geológicos, finaliza então dizendo que “Pode ter havido hominídeos adiantados que viveram e morreram antes de Adão, mas que não foram criados à imagem de Deus. Essa é uma linha de distinção à qual a Palavra de Deus nos compele, e é aqui que devemos rejeitar qualquer interpretação dos dados paleantropológicos que suponha que uma semelhança no esqueleto estabelece os antropoides pré-adâmicos como verdadeiros seres humanos, no sentido bíblico do termo. Embora esses habitantes primitivos das cavernas possam ter desenvolvido certas aptidões em sua busca de alimentos e se engajado em guerras entre si — como o fazem outros animais —, não há, todavia, nenhuma evidência arqueológica de que uma alma humana verdadeira animava seus corpos” (sic) (Ibid., p.58). Após apresentar mais algumas informações com o objetivo de refutar a ideia de as raças pré-adâmicas terem alguma semelhança ou ancestralidade humana, Archer conclui dizendo que animais, ou alguns primatas, apresentam determinada forma de “inteligência” e que, “evidências de inteligência semelhante no ‘homem’ pré-histórico não são provas decisivas de humanidade no sentido adâmico nem de capacidade moral e espiritual. Portanto”, conclui o mesmo autor, “essas raças não-adâmicas, pré-adâmicas, não ameaçam de forma alguma a credibilidade bíblica, não importa quão antigas sejam” (Ibidem.).

 

 

O não menos conhecido Lewis Sperry Chafer também parece não partilhar da visão criacionista da Terra jovem, pois ao falar da queda de Lúcifer, comentando o texto de Ezequiel 28.13, afirma que “Faz pouca diferença se isto é uma referência ao Éden primitivo ou ao Éden do Gênesis 3”, pois continua, “Satanás esteve em ambos” (Teologia Sistemática, V.2, p.461). Outro autor conservador que também não é adepto da visão criacionista da Terra jovem é Henry Clarence Thiessen. Falando acerca de criação imediata e mediata, ele diz que “Quer devido a ter o ato original da criação ficado deliberadamente incompleto, ou a alguma catástrofe que tenha acontecido com a criação original, encontramos a terra em Gênesis 1:2 ‘sem forma e vazia: havia trevas sobre a face do abismo’” (Palestras em Teologia Sistemática, p.108). Em seu estilo, ele questiona se “houve um período longo ou curto entre a criação original no v.1 e os seis dias da criação no resto do capítulo” e, na sequência, responde: “Cremos que provavelmente houve um longo intervalo” (Ibid., p.109). Thiessen, para legitimar sua tese, cita o teólogo presbiteriano estadunidense do século 19, William Greenough Thayer Shedd, autor de uma famosa Teologia Dogmática de três volumes, dizendo que a “‘doutrina de um tempo vastíssimo, anterior aos seis dias da criação, era comumente aceita pelos antigos e estudiosos’, Op. cit., I, 474” (Ibidem.). Assim, para Thiessen, o “primeiro ato criador ocorreu em um passado não especificado, e entre ele e a obra dos seis dias há muito lugar para todas as eras geológicas”. Na verdade, completa ele, o “intervalo pode ter chegado a milhares ou mesmo milhões de anos” (Ibidem.). Na sequência, o mesmo autor questiona se “devemos pensar nos seis dias como sendo seis longos períodos ou como seis dias literalmente”, e para responder cita novamente Shedd que em seu comentário corrobora com a informação acima já referida por John Davis, dizendo que a “‘exegese patrística e medieval os dá como longos períodos e não dias de 24 horas’”, e conclui, “‘Essa última interpretação tem prevalecido apenas na igreja moderna’. Op. cit., I, 475” (Ibid., p.110). Encurtando nossa pesquisa de quantos pensadores mais são adeptos de uma Terra antiga, Thiessen afirma que dentre “os muitos que têm esta opinião, podemos mencionar especialmente os teólogos [Charles] Hodge, Shedd, [John] Miley e [Augutus Hopkins] Strong e os proeminentes cientistas: Dana de Yale e Guyot de Princeton”, e arremata informando que “Todos eles destacam a maravilhosa harmonia (sic) do relato do Gênesis e as descobertas da geologia” (Ibidem.). Finalizando o tema da doutrina da criação, Thiessen afirma que ao apelarmos “para o próprio relato bíblico para obtermos informação, notamos primeiro que a data 4004 A.C., encontrada nas margens de algumas das edições da Versão Autorizada, é do Arcebispo Ussher”. Em termos diretos, completa o mesmo autor, “Não é parte do texto inspirado e pode no máximo ser verdadeira apenas quanto à época da criação do homem. Nem mesmo é certo se essa é a data exata para criação do homem” (Ibid., p.113). Thiessen coloca de forma bem clara sua posição dizendo “admitir que o universo é muito mais antigo do que 6.000 anos — quanto mais antigo, talvez ninguém possa dizer” (Ibid., p.114). A discussão poderia estender-se quase que indefinidamente, passando por algumas figuras conhecidíssimas como Scofield e Lawrence Olson, só para citar mais dois. Entretanto, os exemplos citados objetivaram apenas demonstrar que muitos teólogos conservadores não participam da visão criacionista da Terra jovem. Há outras opções que também possuem fundamento no texto e nas teorias. Vale lembrar que todo concordismo possui em si um gérmen perigoso. Resta apenas saber se vale a pena correr o risco de, como disse Timothy Munyon, “produzir uma viúva teológica na geração seguinte — uma interpretação teológica com base em uma teoria científica abandonada” (Op. Cit., p.240).fonte CPADNEWS-------- WWW.MAURICIOBERWALD.COMUNIDADES.NET